Terminada a partida de
volta das semifinais da Champions League entre Bayern e Barcelona, não restava
um pingo de dúvida sobre a justiça do placar (3x0 em favor da equipe alemã). Na
verdade, 7x0 no placar agregado.
O que discutir depois
disso? Muita coisa. Nada – repito – sobre se foi justo ou não a classificação e
o triunfo do Bayern. Sobre isso não cabe a menor discussão. Mas sim sobre as
consequências sobre o mundo do futebol. Essa é uma questão em aberto, que será
alvo de muita especulação e até teorias por muito tempo ainda – ao menos até o
início da próxima temporada. Outra discussão importante é sobre o modelo de
organização tática que irá prevalecer pelos próximos 10 anos. Na
verdade será que este resultado é tão profundo assim? Será que o alardeado fim
do ciclo do Barcelona é um fato? Mas muitos retrucarão: o Messi não jogou, ele
estava machucado no primeiro jogo; pelo menos três gols do Bayern no primeiro
jogo foram ilegais etc. etc. etc. A discussão é válida. Os dois lados têm seus
argumentos. Mas é preciso que se reconheça que os adeptos anti-Barça estão na
crista da onda neste momento. Contra números não tem discussão: 7 a 0. Sete à
zero.... Com direito à olé (ou hôlê, conforme entoavam os alemães presentes no
estádio) e tudo no Nou Camp.
E assim temos que
aturar o Galvão Bueno dizendo, por exemplo, que o estilo de jogo do Barcelona é
pouco vertical (?!?!?!?!?). Confesso que não consigo entender bem o que o
estriônico e ufanista locutor quis dizer com isso, mas me pergunto o que acham
sobre isso as dezenas de adversários que foram literalmente massacrados pela
equipe catalã nos últimos anos, com sonoras goleadas, vendo o Messi e cia.
passear pelo campo, sem poder fazer nada, a não ser correr atrás feito
figurante de filme dos Patetas ou de O Gordo e o Magro, a exemplo do Santos
naquela partida de 2010. Foi de dar pena!
Mas o que quero trazer
aqui é o que considero mais urgente e angustiante para nós que somos obrigados
a respirar o intragável futebol brasileiro. Quero falar a respeito de um certo
sentimento, eivado de rancor, ressentimento e despeito para com o Barcelona por
parte de várias figuras da opinião pública e da crônica esportiva nacionais. Um
verdadeiro sentimento de ódio que foi se consolidando com as sucessivas
vitórias – na maioria das vezes acachapantes - do time do Barcelona. Mais do
que analisar a derrota do Barcelona ou comemorar a vitória do Bayer - seja por
uma improvável simpatia pela equipe bávara, seja por uma admiração pelo estilo
de jogo alemão – o que se vê é um indisfarçável regozijo com a derrocada do
time da Cataluña. Eles fazem questão de tripudiar, fazer pouco caso e,
principalmente, vibrar escandalosamente o placar de 7x0. Não faltaram “mas não
era o melhor time do mundo?”, “mas não era o time de 90% de toque de bola, de
passes rápidos, dribles mágicos”, “cadê o Messi?”.
O rancor é mais do que
visível. Por pouco não produz mal-cheiro. Mas por que tanta raiva? Por que
tanto recalque? Ora, as pessoas têm o direito de torcer pelo time que elas
quiserem. Mas no caso dessa torcida anti-Barça tupiniquim o buraco parece ser
bem mais fundo (e de um odor desagradabilíssimo). Não se trata aqui de
questionar um direito. Trata-se isso sim de expor uma questão de fundo. A
questão que motiva tanta mesquinharia e pobreza de espírito. E isso se vê
confirmada quando passamos os olhos na cobertura da imprensa internacional. A
sua quase totalidade exalta a “conquista” do Bayer, demonstra certa preocupação
com um possível fim do ciclo da equipe que encantou o mundo nos últimos 5 anos.
É claro que há espaço para piadas e brincadeiras. Mas até os argentinos, ao fim
e ao cabo, reconhecem e rendem homenagens ao que o Barcelona conseguiu oferecer
não apenas a sua torcida, mais aos amantes do bom futebol, do jogo lindamente
jogado por todo o mundo. Time de passes rápidos sim, do tal do tiki-taka, de
tringulações intermináveis, de muita posse de bola. Mas de muita marcação
também, em todo o campo, sufocando os adversários por todo o jogo, deixando-os
literalmente sem ação nem reação (algo que uma certa equipe alemã aprendeu a
fazer, inspirando-se no Barcelona, ora, e não no ASA de Arapiraca...). E era
com isso e por isso que jogava quase que os 90 minutos no campo do adversário.
E em certo jogos, passavam a maior parte do tempo na intermediária rival
mesmo. No fim o que a imprensa internacional quer dizer é o seguinte: "Perderam. E ponto. Mas muito obrigado por tudo que vocês fizeram pelo futebol. Se ele voltou a se tornar agradável, isso se deve a vocês. Muito obrigado Barcelona!". É isso. E palmas para o Bayern.
É inadmissível que no
ardor dos festejos da comemoração da derrota alheia, os adeptos rancorosos do
futebol pobre e mal-jogado não reconheçam a revolução efetuada pelo Barcelona.
E nisso a digital de Pep Guardiola é mais do que vísível (mas não esqueçamos da
contribuição de Cruyff, Reikard, e – principalmente – dos seus brilhantes
jogadores, tendo Messi, Xavi e Iniesta como protagonistas). E essa revolução
começa efetivamente a partir de dois pressuposto básicos, distintos, mas
totalmente interligados: 1º) a melhor maneira de me defender é atacando o
adversário; 2º) para tanto, eu tenho que ter por maior tempo possível a tal da
posse de bola.
Mas é preciso esclarecer:
os dois conceitos básicos defendidos e aplicados tenazmente pelo Barcelona
parecem ser triviais, pois que aplicados por muitos times, há tempos. Quem não se lembra
do surrado jargão: “a melhor defesa é o ataque”? Nada disso: o Barcelona inovou
ao introduzir alguns componentes que fazem a mediação entre esses conceitos já
tradicionais, tornando-os modernos, atuais, quase revolucionários: grande
preparo físico e condicionamento, objetividade, compactação e grande mobilidade
e variação na ocupação de espaços (com os jogadores exercendo mais de uma
atividade durante o jogo – algo que uma certa equipe alemã conseguiu
desenvolver nos últimos meses....). O Barcelona se movimentava como um bloco compacto.
Coeso. Integrado. Para horror dos
adversários.
Pois bem, teríamos
elementos mais do que suficientes para lamentar a derrota do Barcelona. Talvez
não. Quem sabe a vitória do Bayer esteja demonstrando que seu modelo de jogo
está começando a ser implantado em outros times? O que nos leva a indagar se as
diferenças entre o estilo de jogo das duas equipes são tão radicalmente
diferentes assim. Será? Tudo especulação por enquanto. Ou talvez mais uma falsa
polêmica, algo tão ao gosto da mídia, sem a qual ela não venderia jornal.
Mas é preciso voltar à
proposta anterior: o que motivaria tamanho contentamento de cronistas
brasileiros com a derrota da equipe culé? Parece-me que tamanha comemoração dos rancorosos de plantão tenta
esconder algo de fundo. Mas que diabos seria isso?
continua.....
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