segunda-feira, 4 de novembro de 2013

  

CURSO DE HISTÓRIA
ESR/SFC
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

 Prof. Leonardo Soares dos Santos

 CAMPOS DOS GOYTACAZES
2013




Texto 14:  Cliford Geertz  e seu conceito de cultura:

“O conceito de cultura que eu defendo [...] é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo uma ciência interpretativa, à procura do significado. É justamente uma explicação que eu procuro, ao construir expressões sociais enigmáticas na sua superfície”.


Fonte: GEETZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 4.






Texto 15: a relação entre idéias e estruturas de poder.
“As ideias — religiosa, moral, prática, estética — como Max Weber, entre outros, nunca se cansou de insistir, devem ser apresentadas por grupos sociais poderosos para poderem ter efeitos sociais poderosos: alguém deve reverenciá-las, celebrá-las, impô-las. Elas têm que ser institucionalizadas para poderem ter não apenas uma existência intelectual na sociedade, mas também, por assim dizer, uma existência material. As guerras ideológicas que devastaram a Indonésia nos últimos vinte e cinco anos não devem ser vistas, como tantas vezes acontece, como embates de mentalidades opostas — "misticismo" javanês versus "pragmatismo" sumatrano, "sincretismo" Índico versus "dogmatismo" islâmico — mas como a substância de uma luta para criar uma estrutura institucional para o país que um número suficiente de seus cidadãos ache conveniente o bastante para permitir-lhe funcionar”.

Fonte: GEETZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 137.










Texto 16: o mundo social como texto literário.

“Na briga de galos, portanto, o balinês forma e descobre seu temperamento e o temperamento de sua sociedade ao mesmo tempo. Ou, mais exatamente, ele forma e descobre uma faceta particular deles. Não só existem ainda muitos outros textos culturais que fornecem comentários sobre a hierarquia do status e a auto-apreciação em Bali, como existem muitos outros setores críticos da vida balinesa além do estratificador e do agonístico que recebem tais comentários. A cerimónia que consagra um sacerdote Brahmana, o tema do controle respiratório, da imobilidade de postura e da concentração vazia na profundidade do ser mostram uma propriedade radicalmente diferente, mas igualmente real para os balineses, da hierarquia social — seu alcance da transcendência numinosa. Estabelecida não na matriz da emocionalidade cinética dos animais, mas na desapaixonada estática da mentalidade divina, ela expressa a tranquilidade e não a inquietação. Os festivais de massa nos templos das aldeias, que mobilizam toda a população local em recepções elaboradas aos deuses visitantes — canções, danças, cumprimentos, presentes — afirmam a unidade espiritual dos companheiros de aldeia em relação à sua desigualdade de status e projeta uma disposição de amabilidade e confiança.
 A briga de galos não é a chave principal para a vida balinesa, da mesma forma que não o é a tourada para os espanhóis. O que ela diz a respeito dessa vida não deixa de ser qualificado ou até desafiado pelo que outras afirmativas culturais igualmente eloquentes também dizem sobre ela. Mas nada existe de mais surpreendente nisso do que no fato de Racine e Molière terem sido contemporâneos ou de que as mesmas pessoas que fazem arranjos de crisântemos cruzem espadas.”

Fonte: GEETZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 212.





Texto 17: e a cultura um conjunto de textos ....
“A cultura de um povo é um conjunto de textos, eles mesmos conjuntos, que o antropólogo tenta ler por sobre os ombros daqueles a quem eles pertencem. Existem enormes dificuldades em tal empreendimento, abismos metodológicos que abalariam um freudiano, além de algumas perplexidades morais. Esta não é a única maneira de se ligar sociologicamente com as formas simbólicas. O funcionalismo ainda vive, e o mesmo acontece com o psicologismo. Mas olhar essas formas como "dizer alguma coisa sobre algo", e dizer
isso a alguém, é pelo menos entrever a possibilidade de uma análise que atenda à sua substância, em vez de fórmulas redutivas que professam dar conta dela.”
 Fonte: GEETZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 212-3.









Texto 18: pressuposto do “geertzismo” segundo Giovanni Levi: a recusa do objetivismo.
“O conhecimento histórico não pode ser descrito segundo o modelo de um conhecimento objetivo, já que ele próprio é um processo que tem todas as características de um evento histórico. A compreensão deve ser entendida no sentido de um ato da existência, e é então um ‘projeto lançado’. O objetivismo é uma ilusão.”
H.G. Gadamer, Verità e metodo (1960). Milão: Fabbri, 1972.  Apud: LEVI, Giovanni. OS PERIGOS DO GEERTZISMO, p. 139.








Texto 19:  o primado da interpretação em Paul Ricoeur e Geertz.
“A posição de Ricoeur (ressaltada por Geertz, que sobrepõe compreensão histórica e compreensão antropológica) implica também considerar irrelevantes as diferenças entre pesquisa de campo e pesquisa de arquivo. Para Ricoeur, é o discurso que tem como aspecto intrínseco a imediata situação de comunicação: o texto não é a mesma coisa que a sua leitura. Para entender o discurso, é preciso estar na presença do sujeito que fala; mas, para que o discurso se torne texto, é preciso que tenha se tornado autônomo com relação à situação imediata: a interpretação é diferente da interlocução. O texto pode ser transportado, e a etnografia se produz longe do campo. A experiência de pesquisa, central para o antropólogo dos anos 30-60, é transformada em um conjunto textual, separado da ocasião discursiva em que se produz”.

 LEVI, Giovanni. Os perigos do geertzismo. p. 142. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/182.







Texto 20:  Geertz, Darnton e Gadamer e a estetização do mundo social.

“Não sei dizer se um dos principais limites práticos a que essa perspectiva induz a pesquisa etnológica e histórica pode ser absolutamente ineliminável: entretanto, é pelo menos muito freqüente em Geertz e em Darnton que esse contexto de referência seja erigido como um fundo imóvel. E, por outro lado, Gadamer nos adverte que “a verdadeira intenção do conhecimento histórico não é explicar um fenômeno concreto como caso particular de uma regra geral (...). O seu verdadeiro fim – mesmo quando usa conhecimentos gerais – é, antes de mais nada, compreender um fenômeno histórico na sua singularidade, na sua unicidade”. É um pouco como um círculo vicioso, no qual o texto nos torna capazes de tomar consciência dos nossos preconceitos e de descobrir um mundo “outro” significativo, mas no qual o contexto global é dado de saída e não muda até o fim: a unicidade de um texto talvez possa fornecer uma capacidade de compreensão maior do contexto, mas não mudar-lhe substancialmente os elementos. É, em suma, um processo circular no qual os critérios de verdade e de relevância, todos fechados na atividade hermenêutica constitutiva, parecem – ao menos para a minha obsoleta mentalidade materialista – arbitrários demais.
Como se vê, aqui estão refletidos os limites, no fundo irracionalistas e
estetizantes, de Gadamer: a falta de um sentido global da história que não seja o seu crescimento hermenêutico sobre si própria, porque todo evento histórico é por sua natureza uma mediação entre passado (o “outro”), presente e futuro; cada interpretação de textos é uma aplicação de alguma preferência ou situação presente. Não há, em suma, nenhum critério para escolher entre interpretações válidas ou não, senão o seu potencial de dar lugar a novos processos hermenêuticos, de ativar um contínuo diálogo com o passado e com o
“outro”, que todavia não reduza os textos a objetos separados do sujeito”.
  
LEVI, Giovanni. Os perigos do geertzismo. p. 143. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/182.











Texto 21:  os perigos do geertzismo. O maior deles: a história se confundir com a literatura. 

“Clifford Geertz [...], em um artigo de extraordinária inteligência como “Centers, kings and charisma: reflections on the symbolics of power” nos fornece ainda descrições para formular os caracteres culturais (eis os atores-autores generalizados dos quais falava James Clifford) da Inglaterra elisabetana, da Java de Hayam Wuruk, do Marrocos de Hassan: contextos imóveis nos quais é inserido o estudo do carisma e do poder simbólico. Mas Geertz é Geertz: o perigo é o geertzismo. Um outro aspecto é a perda do sentido das relevâncias: pequenos episódios podem ser reveladores de atitudes culturais importantes, mas na hermenêutica com fim em si mesma que parecemos ver em Gadamer, e que reencontramos muitas vezes em Darnton, a falta de um critério geral de validade e de relevância nasce de um deslocamento das perspectivas. Pequenos episódios tornam-se aparentemente importantes, porque já conhecemos o esquema global no qual inseri-los e lê-los: a pesquisa não acrescenta nada ao já conhecido, e o confirma debilmente e de modo supérfluo. É exatamente o caso do ensaio que dá título ao volume, “Workers revolt: the great cat massacre of the Rue Saint Severin”. O assassinato dos gatos da mulher do mestre por parte dos trabalhadores tipográficos exprime a revolta de um grupo social ainda corporativamente subordinado aos bourgeois: “Seria absurdo considerar o massacre dos gatos como um ensaio geral para os massacres de setembro da Revolução Francesa, mas a irrupção anterior de violência realmente sugeria uma rebelião popular, embora permanecesse restrita ao nível do simbolismo” (p. 131). As relações entre mestres e trabalhadores, o simbolismo dos gatos, a visão de mundo do povo e da burguesia estão dados, contexto imóvel que não é modificado; o que o artigo explica é, então, a morte violenta de um gato qualquer, em um quadro já conhecido de cultura carnavalesca e de revolta operária, estabelecido através de estudos bem mais importantes e inovadores.
Em resumo: contexto e relevância são assumidos a priori nos capítulos desse livro. O resto é muitas vezes o garboso caligrafismo de uma filosofia da história fechada em um círculo vicioso. Interpretei esses ensaios como um “texto”: mas, com um procedimento diferente do da hermenêutica de Darnton, deixei de lado – talvez em demasia – a singularidade da obra, para colocar em evidência a exemplaridade de um modo irremediavelmente “outro” de ler a história social em relação ao meu próprio e àquele, espero, de muitos leitores de Quaderni Storici.”

LEVI, Giovanni. Os perigos do geertzismo. p. 145-6. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/182.









Texto 22:  a História não é Ciência, e sim um desdobramento da Arte Retórica.
  
“Historians have shown relatively litle interest in this problem, in good part because they continue to confide in a ’documentary’ or ’objectivist’ model of knowledge that is typically blind to its own rhetoric. Indeed this model has been effective in placating or neutralizing concerns that motivate the work of the new rhetoricians”.

 Fonte: LACAPRA, Dominick. History & criticism. Ithaca: 1985. pp. 17-18.











Texto 23:  para Lacapra, a retórica é mais eficaz do que a ciência na busca por “vozes do passado”...

 “Instead of licensing free variations on the past, variations hose only justification is their furtherance of a present policy, the rhetorical dimension of historiography may rather serve to test current views by requiring the historian to listen attentively to possibly disconcerting voices of the past and not simply project narcissistic or self-interested demands upon them”.


Fonte: LACAPRA, Dominick. History & criticism. Ithaca: 1985. pp. 36-37.









Texto 24: o Documento como Monumento.
O documento não é inócuo. É antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados, desmitificando-lhe seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente- determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um documento-verdade. Todo documento é mentira.”
 Fonte: LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003. p. 538.












Texto 25:  novamente a História como discurso....

“(...) “história’ é o tema desse aprendizado que só é acessível por meio da linguagem; nossa experiência da história é indissociável de nosso discurso sobre ela; esse discurso tem que ser escrito antes de poder ser digerido como “história”; e essa experiência, por conseguinte, pode ser tão vária quanto os diferentes tipos de discurso com que nos deparamos na própria história da escrita.”
  
Fonte: WHITE, Hayden. Meta-historia: a imaginação historica do seculo XIX. São Paulo: EDUSP, 1992. p. 31.













Texto 26: uma alternativa possível ao subjetivismo: o conceito de habitus de Pierre Bourdieu.

“Por sua própria etimologia – habitus é o que foi adquirido, do verbo habeo -, devia significar muito concretamente que o princípio das ações ou das representações e das operações da construção da realidade social, pressupos tas por elas, não é um sujeito transcendental (...) É o habitus, como estrutura es truturada e estruturante, que engaja, nas práticas e nas idéias, esquemas práticos de cons trução oriundos da incorporação de es truturas sociais oriundas, elas próprias , do trabalho his tórico de gerações sucessivas.”
Fonte: BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Campinas: Papirus, 1996.