quarta-feira, 16 de agosto de 2017


Leonardo Soares, professor de História


Não deixa de ser impactante a leitura da reportagem especial do Valor Econômico do dia 07 de agosto sobre a cidade de Maringá (http://www.valor.com.br/brasil/5069844/cidade-cancao-maringa-quer-ser-lider-em-estilo-de-vida). Com o título de “Cidade Canção', Maringá quer ser líder em estilo de vida”, o texto da jornalista Lígia Guimarães nos oferece um panorama singular do grande desenvolvimento alcançado por essa cidade da região norte do Paraná. Mas longe de ser uma típica matéria chapa-branca dos jornalões nativos, a questão que a autora nos leva a pensar, não sem certa angústia, é: mas sobre quais bases, sociais e mesmo éticas, esse desenvolvimento é forjado?

Lendo a reportagem ficamos sabendo que algumas “famílias”, pelo que se depreende de classe média alta, tem saído de grandes centros como São Paulo e buscado ali tranquilidade, organização e segurança. As facilidades do trânsito da cidade chamam atenção. Uma empresa local destaca num anúncio de vaga de trabalho em seu site: "90% dos colaboradores levam menos de 30 minutos para chegar ao trabalho". E acrescenta, como que para deixar possíveis candidatos com água na boca: "17 parques estão distribuídos pela cidade, ideais para aquela corrida no fim da tarde". A empresa apela para o baixo custo de vida, e volta a reafirmar outros atrativos maringaenses: "O aluguel médio em Maringá [centro] varia de R$ 700 a R$ 1.400. A marmita é entregue diretamente na empresa, o custo médio é R$ 10. Você também pode ir para casa almoçar com sua família, descansar um pouco e voltar à tarde".

"Maringá é uma cidade diferenciada", propagandeia o prefeito Ulisses Maia (PDT). Em comparação às 100 maiores cidades brasileiras, o município vem obtendo excelentes resultados: “1ºlugar no ranking geral de melhor gestão do dinheiro público, 8º melhor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), 2ª em infraestrutura e sustentabilidade e 5 ª em serviços de saúde, segundo ranking elaborado pela consultoria Macroplan com base em dados de 2015.” Além disso, 40% da população tem plano de saúde, o que leva o prefeito atual a considerar que o “gasto” da municipalidade em saúde, “estimado em R$ 395 milhões” (num orçamento total de R$ 1,4 bilhão) seja “exagerado”, pois boa parte da população (os 40%) “não depende do serviço público”.

Lígia lembra que a cidade completa agora 70 anos em 2017. Ela teve origem em 1º de maio de 1947, quando teve início a venda de lotes de um gigantesco empreendimento imobiliário da empresa britânica Companhia de Terras Norte do Paraná.
Sim, a incrível Maringá se originou da iniciativa de uma empresa privada, ligada ao mercado imobiliário. O diretor do Instituto Cultural Ingá Miguel Fernando é de uma sinceridade reveladora: "Geralmente as cidades comemoram a data em que foram emancipados politicamente. Celebramos a venda de lotes"

A ação da companhia imobiliária acabaria deixando marcas profundas na cidade.

Um aspecto muito destacado da organização espacial é a de ser uma "cidade planejada", o que muito se deve às ideias de Jorge Macedo Vieiras, engenheiro formado pela Escola Politécnica de São Paulo, e que projetou Maringá a mando da empresa britânica. O engenheiro teria se inspirado no modelo das "cidades-jardim", do urbanista inglês Ebenezer Howard, segundo o qual a cidade era dividida em várias zonas de acordo com a função: industrial, operária, popular.
E a influência do setor privado permanece. Influência não, hegemonia para ser mais exato. A reportagem revela que “nada importante acontece em Maringá sem que duas entidades participem ativamente da decisão: a Associação Comercial de Maringá (Acim), que nasceu junto com o município e tem mais de 5 mil associados; e o Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá (Codem), criado em lei em 1996, justamente quando o poder econômico cobrou mais voz na gestão.”

Acim e Codem interferem em todas as questões da governança da cidade, “são deles iniciativas como o Conselho de Segurança Pública (Conseg) e o Observatório Social, que fiscaliza o uso das contas públicas municipais, entre outras. Participam, também, de todas as reuniões da prefeitura”. Esta mesma prefeitura mantém um servidor público que cumpre expediente na sede da Codem, numa mistura incrível de funções.

O próprio prefeito Ulisses Maia declara com orgulho: "Tudo o que a prefeitura vai fazer se discute com o Codem".

O presidente do Codem Ilson Resende e dono da empresa DB1 relata com incrível naturalidade a subordinação dos candidatos a prefeito aos ditames e vontades da entidade privada: "Nós chamamos o candidato, ele assina, em cartório, e inclui o plano do Codem no plano de governo".

O Codem ainda monitora 47 indicadores e metas “que os prefeitos se comprometem a entregar”. É o Codem que planeja e “propõe” à cidade. A “contribuição” mais recente foi a elaboração do Masterplan, um relatório que traça metas a serem cumpridas até 2047, ano do centenário: “o documento prevê o desenvolvimento de setores das empresas que existem na cidade e o financiaram: tecnologia, educação, saúde”. Não é de hoje que o empresariado local decide o que Maringá deve ou não fazer. O planejamento do lugar também foi elaborado pelo Codem em 1996, até 2020, e em 2010, até 2030. Um empresário detalha: "A prefeitura deveria colocar verba. Mas gostamos de bancar a despesa pela iniciativa privada e ter mais autonomia".

“Autonomia” que permite a alguns desses empresários usufruírem de terrenos municipais para a abertura de empreendimentos imobiliários, como o Eurogarden, que será o “novo centro cívico” da cidade. Obra de autoria de Jefferson Nogaroli, que investirá R$ 30 milhões no terreno do antigo aeroporto da cidade. Com o Eurogarden, Nogaroli “pretende atrair aposentados brasileiros de alta renda”, “inspirado no que a Flórida é para os americanos.”

A lógica da segregação social é clara aqui. É o que pontua Ana Lúcia Rodrigues, pesquisadora da Universidade Estadual de Maringá (UEM), doutora em sociologia urbana e coordenadora do Observatório das Metrópoles Maringá. É o que ela chama de "simbiose" público-privada. A qual sanciona uma clara promiscuidade na relação entre agentes das duas esferas. Afirma Lucia: "A lógica do desenvolvimento de Maringá continua a mesma do surgimento: loteamento imobiliário ancorado na imagem de cidade planejada".

O desenvolvimento da cidade, a partir disso é pensada como projeção das ambições do empresariado local, em especial aquele ligado ao ramo imobiliário. As ações dessa classe, as quais o empresariado dá o nome de “política pública”, resultam numa enorme valorização fundiária: “Entre 2007 e 2017, o preço médio do m 2 maringaense subiu 357%, segundo o Inpespar/SecoviPR”, informa Lígia Guimarães. Nesse contexto, a população de baixa renda é geralmente prejudicada, sendo expulsa para as cidades limítrofes, onde a qualidade de vida e a infraestrutura são bem inferiores. Ao fim e ao cabo as “políticas” da Codem buscam promover o saneamento social da cidade, com a gradativa remoção da população pobre, impossibilitada de usufruir as delícias da “Cidade Canção”.

"Maringá é fantástica. Mas só conseguimos essa qualidade de vida segregando as cidades do entorno", avalia Ana Lúcia.

E é angustiante imaginar que esse tipo de modelo de “gestão de cidade” está em vias de ser exportado para várias partes do país, com toda a carga de segregação e violência à cidadania que ele carrega. Seria Maringá a Meca dos Dorianas?

É bem provável. Ainda mais se levarmos em conta que Maringá é também a terra natal da família Barros, cuja maior “estrela” é o atual ministro da Saúde e ex-prefeito Ricardo Barros.

Para quem ainda não é capaz de associar o nome à figura, refresquemos a memória da(o) leitor(a) com o que foi até agora os seus momentos mais marcantes durante a sua gestão. E elas se resumem a frases extremamente infelizes:

Uma delas foi a tentativa de explicar porque os homens procuram menos o atendimento de saúde. Segundo o ministro, os homens "trabalham mais do que as mulheres e são os provedores das casas brasileiras".

Mal havia assumido a pasta da Saúde, declarou: "Não contem com mais dinheiro". E complementava com outra frase marcante, de modo a explicar o seu raciocínio: "Nós não vamos conseguir sustentar o nível de direitos que a Constituição determina".

Falando sobre o aborto, o ministro deu uma sugestiva e preocupante opinião: "Vamos ter de conversar com a Igreja".
Outra sacada de Barros foi afirmação de que o SUS sofre com a "cultura do brasileiro" de “só achar que foi bem atendido quando passa por exames ou recebe prescrição de medicamentos”, o que acarregata gastos desenecessários, sobrecarregando os governos.

Lembremos ainda que o maringaense Ricardo de Barros foi também relator do Orçamento Federal para o ano de 2016 e fez de tudo para cortar o máximo de dinheiro do Bolsa Família. Entre suas alegações para tal intento, constavam afirmações do tipo: “O Bolsa Família está inchado”, “Ninguém vai ficar na mispéria se cortar um pouco do Bolsa Família”.

O então deputado do Partido Progressista justificava o seu desprezo por políticas públicas voltadas aos mais pobres com o seguinte refrão: “Eu estou aqui (no Congresso) para trabalhar para o Mercado.”

Não só no Congresso. Tais frases e posturas do filho ilustre da cidade paranaense demonstram que a ideologia que conforma a identidade de Maringá é poderosa, uma ideologia que influencia a sua dinâmica econômica, impondo uma política de gestão dos pobres e da pobreza extremamente conservadora, marcada pela segregação sócio-espacial.


O pior é que essa ideologia, como mencionado, não para de se expandir.


segunda-feira, 7 de agosto de 2017

O Poetinha da Vila...e da porrada contra a mulher!


Contribuição de Noel Rosa para a tradição de violência contra a mulher. Noel era poeta, sensível e romântico, mas sabia também difundir o ódio contra a mulher.



Mulher Indigesta
Noel Rosa
  

Mas que mulher indigesta!(Indigesta!)
Merece um tijolo na testa
Essa mulher não namora
Também não deixa mais ninguém namorar
É um bom center-half pra marcar
Pois não deixa a linha chutar
E quando se manifesta
O que merece é entrar no açoite
Ela é mais indigesta do que prato
De salada de pepino à meia-noite
Essa mulher é ladina
Toma dinheiro, é até chantagista
Arrancou-me três dentes de platina
E foi logo vender no dentista




https://www.youtube.com/watch?v=0UAgn1WM2z8

sexta-feira, 4 de agosto de 2017


Leonardo Soares – professor de História e pequsiador do IHBAJA

O Sertão Carioca foi um termo cunhado pelo naturalista Magalhães Corrêa – autor de um livro de título similar – para denominar as terras que compreendiam as antigas freguesias rurais do Rio de Janeiro: Campo Grande, Guaratiba, Jacarepaguá, Irajá e Santa Cruz. Ele abarcava mais de 60% do território do município até meados do século XX. Mas era a Baixada de Jacarepaguá que mais despertava o seu interesse. E essa região (em especial a área de Vargem Grande, Vargem Pequena, Recreio, Taquara e Curicica) era até a década de 70 um grande celeiro agrícola.
Vários descendentes desses escravos seguiram produzindo nessa área nos anos 40 e 50. Também foi naquele período que os portugueses começaram a afluir para Vargem Grande, principalmente para a área do “Brejo”. Maria Galvão afirma que eles eram 90% da população dessa área. Havia entre eles uma certa diferenciação: de uma lado, os “portugueses”(Continente), do outro, os “ilhéus”(Ilha da Madeira). Fossem da Ilha ou do Continente, os portugueses, quando aqui estabelecidos reuniam-se “em sociedade de 3, 4 e até muitos membros provenientes da mesma província, e até da mesma freguesia” do território português. Entre os “portugueses” predominavam os do Conselho de Penacova, enquanto os “ilhéus” vinham em sua maioria do Conselho de Ponta do Sol.
Quanto à produção, praticamente toda a Baixada de Jacarepaguá privilegiava a “lavoura branca” (hortaliças e legumes) e a fruticultura: tipos de lavouras, se assim podemos dizer, mais típicas de um Cinturão Verde, como era o caso dessa região. Mas a proximidade com o centro urbano não parece ter sido o único motivo para a implantação dessa modalidade agrícola. Em Vargem Grande, as plantações se dividem por três áreas: nas “encostas”, plantava-se banana-prata. Em sua “baixada argilosa”, encontravam-se plantações de laranja, banana, aipim, mamão, milho, cana, tangerina, hortaliças e, até, café (para consumo interno). Em outra área, a “baixada turfosa”, produzia-se banana d’água, laranja, coqueiros, milho, arroz, aipim, batata-doce e hortaliças.  
Em Jacarepaguá, seus lavradores, “horteiros em sua maioria trabalhando mais próximo do centro”, produziam quase que exclusivamente repolho, pimentão, abobrinha, agrião, alface, acelga, couve, tomate, berinjela, cenoura, chicória, beterraba, rábano, rabanete, salsa, cebolinha. Fora isso cultivavam alguns poucos tipos de frutas como banana e laranja. Em Cafundá, localizada no “valle do Rio Taquara”, seus lavradores exploravam o “commercio da banana, batata, laranja, carvão e lenha”. Nas encostas de Vargem Grande, os lavradores exploravam lenha e carvão, que eram transportados em “Jacás sobre o dorso de burros e empilhadas onde vão ter os caminhões dos comerciantes”. Depois a lenha era revendida na Taquara e em Cascadura para o abastecimento de fornos de pequenas fábricas e padarias. Podemos complementar afirmando que os fornos das próprias residências dos moradores se alimentavam de lenha. Basta mencionar que em meados do século XX o fornecimento de gás na região ainda era algo bastante distante da realidade.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017