segunda-feira, 4 de novembro de 2013

  

CURSO DE HISTÓRIA
ESR/SFC
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

 Prof. Leonardo Soares dos Santos

 CAMPOS DOS GOYTACAZES
2013




Texto 14:  Cliford Geertz  e seu conceito de cultura:

“O conceito de cultura que eu defendo [...] é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo uma ciência interpretativa, à procura do significado. É justamente uma explicação que eu procuro, ao construir expressões sociais enigmáticas na sua superfície”.


Fonte: GEETZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 4.






Texto 15: a relação entre idéias e estruturas de poder.
“As ideias — religiosa, moral, prática, estética — como Max Weber, entre outros, nunca se cansou de insistir, devem ser apresentadas por grupos sociais poderosos para poderem ter efeitos sociais poderosos: alguém deve reverenciá-las, celebrá-las, impô-las. Elas têm que ser institucionalizadas para poderem ter não apenas uma existência intelectual na sociedade, mas também, por assim dizer, uma existência material. As guerras ideológicas que devastaram a Indonésia nos últimos vinte e cinco anos não devem ser vistas, como tantas vezes acontece, como embates de mentalidades opostas — "misticismo" javanês versus "pragmatismo" sumatrano, "sincretismo" Índico versus "dogmatismo" islâmico — mas como a substância de uma luta para criar uma estrutura institucional para o país que um número suficiente de seus cidadãos ache conveniente o bastante para permitir-lhe funcionar”.

Fonte: GEETZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 137.










Texto 16: o mundo social como texto literário.

“Na briga de galos, portanto, o balinês forma e descobre seu temperamento e o temperamento de sua sociedade ao mesmo tempo. Ou, mais exatamente, ele forma e descobre uma faceta particular deles. Não só existem ainda muitos outros textos culturais que fornecem comentários sobre a hierarquia do status e a auto-apreciação em Bali, como existem muitos outros setores críticos da vida balinesa além do estratificador e do agonístico que recebem tais comentários. A cerimónia que consagra um sacerdote Brahmana, o tema do controle respiratório, da imobilidade de postura e da concentração vazia na profundidade do ser mostram uma propriedade radicalmente diferente, mas igualmente real para os balineses, da hierarquia social — seu alcance da transcendência numinosa. Estabelecida não na matriz da emocionalidade cinética dos animais, mas na desapaixonada estática da mentalidade divina, ela expressa a tranquilidade e não a inquietação. Os festivais de massa nos templos das aldeias, que mobilizam toda a população local em recepções elaboradas aos deuses visitantes — canções, danças, cumprimentos, presentes — afirmam a unidade espiritual dos companheiros de aldeia em relação à sua desigualdade de status e projeta uma disposição de amabilidade e confiança.
 A briga de galos não é a chave principal para a vida balinesa, da mesma forma que não o é a tourada para os espanhóis. O que ela diz a respeito dessa vida não deixa de ser qualificado ou até desafiado pelo que outras afirmativas culturais igualmente eloquentes também dizem sobre ela. Mas nada existe de mais surpreendente nisso do que no fato de Racine e Molière terem sido contemporâneos ou de que as mesmas pessoas que fazem arranjos de crisântemos cruzem espadas.”

Fonte: GEETZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 212.





Texto 17: e a cultura um conjunto de textos ....
“A cultura de um povo é um conjunto de textos, eles mesmos conjuntos, que o antropólogo tenta ler por sobre os ombros daqueles a quem eles pertencem. Existem enormes dificuldades em tal empreendimento, abismos metodológicos que abalariam um freudiano, além de algumas perplexidades morais. Esta não é a única maneira de se ligar sociologicamente com as formas simbólicas. O funcionalismo ainda vive, e o mesmo acontece com o psicologismo. Mas olhar essas formas como "dizer alguma coisa sobre algo", e dizer
isso a alguém, é pelo menos entrever a possibilidade de uma análise que atenda à sua substância, em vez de fórmulas redutivas que professam dar conta dela.”
 Fonte: GEETZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 212-3.









Texto 18: pressuposto do “geertzismo” segundo Giovanni Levi: a recusa do objetivismo.
“O conhecimento histórico não pode ser descrito segundo o modelo de um conhecimento objetivo, já que ele próprio é um processo que tem todas as características de um evento histórico. A compreensão deve ser entendida no sentido de um ato da existência, e é então um ‘projeto lançado’. O objetivismo é uma ilusão.”
H.G. Gadamer, Verità e metodo (1960). Milão: Fabbri, 1972.  Apud: LEVI, Giovanni. OS PERIGOS DO GEERTZISMO, p. 139.








Texto 19:  o primado da interpretação em Paul Ricoeur e Geertz.
“A posição de Ricoeur (ressaltada por Geertz, que sobrepõe compreensão histórica e compreensão antropológica) implica também considerar irrelevantes as diferenças entre pesquisa de campo e pesquisa de arquivo. Para Ricoeur, é o discurso que tem como aspecto intrínseco a imediata situação de comunicação: o texto não é a mesma coisa que a sua leitura. Para entender o discurso, é preciso estar na presença do sujeito que fala; mas, para que o discurso se torne texto, é preciso que tenha se tornado autônomo com relação à situação imediata: a interpretação é diferente da interlocução. O texto pode ser transportado, e a etnografia se produz longe do campo. A experiência de pesquisa, central para o antropólogo dos anos 30-60, é transformada em um conjunto textual, separado da ocasião discursiva em que se produz”.

 LEVI, Giovanni. Os perigos do geertzismo. p. 142. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/182.







Texto 20:  Geertz, Darnton e Gadamer e a estetização do mundo social.

“Não sei dizer se um dos principais limites práticos a que essa perspectiva induz a pesquisa etnológica e histórica pode ser absolutamente ineliminável: entretanto, é pelo menos muito freqüente em Geertz e em Darnton que esse contexto de referência seja erigido como um fundo imóvel. E, por outro lado, Gadamer nos adverte que “a verdadeira intenção do conhecimento histórico não é explicar um fenômeno concreto como caso particular de uma regra geral (...). O seu verdadeiro fim – mesmo quando usa conhecimentos gerais – é, antes de mais nada, compreender um fenômeno histórico na sua singularidade, na sua unicidade”. É um pouco como um círculo vicioso, no qual o texto nos torna capazes de tomar consciência dos nossos preconceitos e de descobrir um mundo “outro” significativo, mas no qual o contexto global é dado de saída e não muda até o fim: a unicidade de um texto talvez possa fornecer uma capacidade de compreensão maior do contexto, mas não mudar-lhe substancialmente os elementos. É, em suma, um processo circular no qual os critérios de verdade e de relevância, todos fechados na atividade hermenêutica constitutiva, parecem – ao menos para a minha obsoleta mentalidade materialista – arbitrários demais.
Como se vê, aqui estão refletidos os limites, no fundo irracionalistas e
estetizantes, de Gadamer: a falta de um sentido global da história que não seja o seu crescimento hermenêutico sobre si própria, porque todo evento histórico é por sua natureza uma mediação entre passado (o “outro”), presente e futuro; cada interpretação de textos é uma aplicação de alguma preferência ou situação presente. Não há, em suma, nenhum critério para escolher entre interpretações válidas ou não, senão o seu potencial de dar lugar a novos processos hermenêuticos, de ativar um contínuo diálogo com o passado e com o
“outro”, que todavia não reduza os textos a objetos separados do sujeito”.
  
LEVI, Giovanni. Os perigos do geertzismo. p. 143. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/182.











Texto 21:  os perigos do geertzismo. O maior deles: a história se confundir com a literatura. 

“Clifford Geertz [...], em um artigo de extraordinária inteligência como “Centers, kings and charisma: reflections on the symbolics of power” nos fornece ainda descrições para formular os caracteres culturais (eis os atores-autores generalizados dos quais falava James Clifford) da Inglaterra elisabetana, da Java de Hayam Wuruk, do Marrocos de Hassan: contextos imóveis nos quais é inserido o estudo do carisma e do poder simbólico. Mas Geertz é Geertz: o perigo é o geertzismo. Um outro aspecto é a perda do sentido das relevâncias: pequenos episódios podem ser reveladores de atitudes culturais importantes, mas na hermenêutica com fim em si mesma que parecemos ver em Gadamer, e que reencontramos muitas vezes em Darnton, a falta de um critério geral de validade e de relevância nasce de um deslocamento das perspectivas. Pequenos episódios tornam-se aparentemente importantes, porque já conhecemos o esquema global no qual inseri-los e lê-los: a pesquisa não acrescenta nada ao já conhecido, e o confirma debilmente e de modo supérfluo. É exatamente o caso do ensaio que dá título ao volume, “Workers revolt: the great cat massacre of the Rue Saint Severin”. O assassinato dos gatos da mulher do mestre por parte dos trabalhadores tipográficos exprime a revolta de um grupo social ainda corporativamente subordinado aos bourgeois: “Seria absurdo considerar o massacre dos gatos como um ensaio geral para os massacres de setembro da Revolução Francesa, mas a irrupção anterior de violência realmente sugeria uma rebelião popular, embora permanecesse restrita ao nível do simbolismo” (p. 131). As relações entre mestres e trabalhadores, o simbolismo dos gatos, a visão de mundo do povo e da burguesia estão dados, contexto imóvel que não é modificado; o que o artigo explica é, então, a morte violenta de um gato qualquer, em um quadro já conhecido de cultura carnavalesca e de revolta operária, estabelecido através de estudos bem mais importantes e inovadores.
Em resumo: contexto e relevância são assumidos a priori nos capítulos desse livro. O resto é muitas vezes o garboso caligrafismo de uma filosofia da história fechada em um círculo vicioso. Interpretei esses ensaios como um “texto”: mas, com um procedimento diferente do da hermenêutica de Darnton, deixei de lado – talvez em demasia – a singularidade da obra, para colocar em evidência a exemplaridade de um modo irremediavelmente “outro” de ler a história social em relação ao meu próprio e àquele, espero, de muitos leitores de Quaderni Storici.”

LEVI, Giovanni. Os perigos do geertzismo. p. 145-6. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/182.









Texto 22:  a História não é Ciência, e sim um desdobramento da Arte Retórica.
  
“Historians have shown relatively litle interest in this problem, in good part because they continue to confide in a ’documentary’ or ’objectivist’ model of knowledge that is typically blind to its own rhetoric. Indeed this model has been effective in placating or neutralizing concerns that motivate the work of the new rhetoricians”.

 Fonte: LACAPRA, Dominick. History & criticism. Ithaca: 1985. pp. 17-18.











Texto 23:  para Lacapra, a retórica é mais eficaz do que a ciência na busca por “vozes do passado”...

 “Instead of licensing free variations on the past, variations hose only justification is their furtherance of a present policy, the rhetorical dimension of historiography may rather serve to test current views by requiring the historian to listen attentively to possibly disconcerting voices of the past and not simply project narcissistic or self-interested demands upon them”.


Fonte: LACAPRA, Dominick. History & criticism. Ithaca: 1985. pp. 36-37.









Texto 24: o Documento como Monumento.
O documento não é inócuo. É antes de mais nada, o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que dura, e o testemunho, o ensinamento que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados, desmitificando-lhe seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente- determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um documento-verdade. Todo documento é mentira.”
 Fonte: LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2003. p. 538.












Texto 25:  novamente a História como discurso....

“(...) “história’ é o tema desse aprendizado que só é acessível por meio da linguagem; nossa experiência da história é indissociável de nosso discurso sobre ela; esse discurso tem que ser escrito antes de poder ser digerido como “história”; e essa experiência, por conseguinte, pode ser tão vária quanto os diferentes tipos de discurso com que nos deparamos na própria história da escrita.”
  
Fonte: WHITE, Hayden. Meta-historia: a imaginação historica do seculo XIX. São Paulo: EDUSP, 1992. p. 31.













Texto 26: uma alternativa possível ao subjetivismo: o conceito de habitus de Pierre Bourdieu.

“Por sua própria etimologia – habitus é o que foi adquirido, do verbo habeo -, devia significar muito concretamente que o princípio das ações ou das representações e das operações da construção da realidade social, pressupos tas por elas, não é um sujeito transcendental (...) É o habitus, como estrutura es truturada e estruturante, que engaja, nas práticas e nas idéias, esquemas práticos de cons trução oriundos da incorporação de es truturas sociais oriundas, elas próprias , do trabalho his tórico de gerações sucessivas.”
Fonte: BOURDIEU, Pierre. Razões práticas. Campinas: Papirus, 1996.













terça-feira, 29 de outubro de 2013



parte II



CURSO DE HISTÓRIA
ESR/SFC
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
 Prof. Leonardo Soares dos Santos

 CAMPOS DOS GOYTACAZES
2013



Texto 2: Marx e a metáfora da Estrutura e superestrutura.
“O resultado geral que se me ofereceu e, uma vez ganho, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado assim sucintamente: na produção social da sua vida os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes da sua vontade, relações de produção que correspondem a uma determinada etapa de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem determinadas formas da consciência social. O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência. Numa certa etapa do seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes ou, o que é apenas uma expressão jurídica delas, com as relações de propriedade no seio das quais se tinham até aí movido. De formas de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações transformam-se em grilhões das mesmas. Ocorre então uma época de revolução social. Com a transformação do fundamento econômico revoluciona-se, mais devagar ou mais depressa, toda a imensa superestrutura. Na consideração de tais revolucionamentos tem de se distinguir sempre entre o revolucionamento material nas condições económicas da produção, o qual é constatável rigorosamente como nas ciências naturais, e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em suma, ideológicas, em que os homens ganham consciência deste conflito e o resolvem. Do mesmo modo que não se julga o que um indivíduo é pelo que ele imagina de si próprio, tão-pouco se pode julgar uma tal época de revolucionamento a partir da sua consciência, mas se tem, isso sim, de explicar esta consciência a partir das contradições da vida material, do conflito existente entre forças produtivas e relações de produção sociais. Uma formação social nunca decai antes de estarem desenvolvidas todas as forças produtivas para as quais é suficientemente ampla, e nunca surgem relações de produção novas e superiores antes de as condições materiais de existência das mesmas terem sido chocadas no seio da própria sociedade velha. Por isso a humanidade coloca sempre a si mesma apenas as tarefas que pode resolver, pois que, a uma consideração mais rigorosa, se achará sempre que a própria tarefa só aparece onde já existem, ou pelo menos estão no processo de se formar, as condições materiais da sua resolução. Nas suas grandes linhas, os modos de produção asiático, antigo, feudal e, modernamente, o burguês podem ser designados como épocas progressivas da formação económica e social. As relações de produção burguesas são a última forma antagónica do processo social da produção, antagónica não no sentido de antagonismo individual, mas de um antagonismo que decorre das condições sociais da vida dos indivíduos; mas as forças produtivas que se desenvolvem no seio da sociedade burguesa criam, ao mesmo tempo, as condições materiais para a resolução deste antagonismo. Com esta formação social encerra-se, por isso, a pré-história da sociedade humana.


Fonte: MARX, Karl. Para a crítica da economia política. Disponível em:  http://www.marxists.org/portugues/marx/1859/01/prefacio.htm. Acesso em: 20/09/2013.




Texto 3:  o ponto de partida da produção material da existência humana.
“A primeira premissa de toda a história humana é, naturalmente, a existência de indivíduos humanos vivos primeiro fato a constatar é, portanto, a organização física destes indivíduos e a relação que por isso existe com o resto da natureza. Não podemos entrar aqui, naturalmente, nem na constituição física dos próprios homens, nem nas condições naturais que os homens encontraram — as condições geológicas, hidrográficas, climáticas e outras. Toda a historiografia tem de partir destas bases naturais e da sua modificação ao longo da história pela ação dos homens.
O modo como os homens produzem os seus meios de vida depende, em primeiro lugar, da natureza dos próprios meios de vida encontrados e a reproduzir.”



Fonte: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia alemã. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/ideologia-alema-oe/cap1.htm#i1.  Acesso em: 20/09/2013.





Texto 4:  uma noção ampliada de modo de produção.
“Este modo da produção não deve ser considerado no seu mero aspecto de reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se já, isso sim, de uma forma determinada da atividade destes indivíduos, de uma forma determinada de exprimirem a sua vida, de um determinado modo de vida dos mesmos. Como exprimem a sua vida, assim os indivíduos são. Aquilo que eles são coincide, portanto, com a sua produção, com o que produzem e também com o como produzem. Aquilo que os indivíduos são depende, portanto, das condições materiais da sua produção.
Esta produção só surge com o aumento da população. Ela própria pressupõe, por seu turno, um intercâmbio [Verkehr] dos indivíduos entre si. A forma deste intercâmbio é, por sua vez, condicionada pela produção.”





Fonte: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia alemã. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/ideologia-alema-oe/cap1.htm#i1.  Acesso em: 20/09/2013.




Texto 5: a análise das conexões entre representação e estrutura social
“O fato é, portanto, este: o de determinados indivíduos, que trabalham produtivamente de determinado modo, entrarem em determinadas relações sociais e políticas. A observação empírica tem de mostrar, em cada um dos casos, empiricamente e sem qualquer mistificação e especulação, a conexão da estrutura social e política com a produção. A estrutura social e o Estado decorrem constantemente do processo de vida de determinados indivíduos; mas destes indivíduos não como eles poderão parecer na sua própria representação ou na de outros, mas como eles são realmente, ou seja, como agem, como produzem materialmente, como trabalham, portanto, em determinados limites, premissas e condições materiais que não dependem da sua vontade.
A produção das ideias, representações, da consciência está a princípio diretamente entrelaçada com a atividade material e o intercâmbio material dos homens, linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos homens aparecem aqui ainda como refluxo direto do seu comportamento material. O mesmo se aplica à produção espiritual como ela se apresenta na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da metafísica, etc., de um povo. Os homens são os produtores das suas representações, ideias, etc., mas os homens reais, os homens que realizam [die wirklichen, wirkenden Menschen], tal como se encontram condicionados por um determinado desenvolvimento das suas forças produtivas e do intercâmbio que a estas corresponde até às suas formações mais avançadas. A consciência [das Bewusstsein], nunca pode ser outra coisa senão o ser consciente [das bewusste Sein], e o ser dos homens é o seu processo real de vida. Se em toda a ideologia os homens e as suas relações aparecem de cabeça para baixo como numa Camera obscura, é porque este fenômeno deriva do seu processo histórico de vida da mesma maneira que a inversão dos objetos na retina deriva do seu processo diretamente físico de vida.”

Fonte: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia alemã. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/ideologia-alema-oe/cap1.htm#i1.  Acesso em: 20/09/2013.





Texto 6: a filosofia e os conceitos não são a-históricos, muito menos entidades extra-corpóreas que habitem o plano divino. São expressões de determinada época, fruto de um contexto bem determinado de relações sociais e históricas.
“Lá onde a especulação cessa, na vida real, começa, portanto, a ciência real, positiva, a representação da atividade prática, do processo de desenvolvimento prático dos homens. Cessam as frases sobre a consciência, o saber real tem de as substituir. Com a representação da realidade, a filosofia autônoma perde o seu meio de existência. Em seu lugar pode, quando muito, surgir uma súmula dos resultados mais gerais que é possível abstrair da consideração do desenvolvimento histórico. Estas abstrações não têm, separadas da história real, o menor valor. Só podem servir para facilitar a ordenação do material histórico, para indicar a sequência de cada um dos seus estratos. Mas não dão, de modo nenhum, como a filosofia, uma receita ou um esquema segundo o qual as épocas históricas possam ser ajeitadas ou ajustadas. A dificuldade começa pelo contrário, precisamente quando nos damos à consideração e ordenação do material, seja de uma época passada seja do presente, à representação real. A eliminação destas dificuldades está condicionada por premissas que de modo nenhum podem ser aqui dadas, e que só resultarão claras do estudo do processo real da vida e da ação dos indivíduos de cada época. Vamos escolher aqui algumas destas abstrações, que utilizamos em contraposição à ideologia, e vamos explicá-las com exemplos históricos.”
Fonte: MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A Ideologia alemã. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1845/ideologia-alema-oe/cap1.htm#i1.  Acesso em: 20/09/2013.




Texto 7: o conceito de fetiche. Um dos nexos entre representação e realidade.
 “VIMOS como o capital produz, como ele mesmo é produzido, e como, na qualidade de relação transmutada na essência, resulta do processo de produção, nele se desenvolve. De um lado, transforma o modo de produção; do outro, essa forma transmutada do modo de produção e estádio particular do desenvolvimento das forças produtivas materiais são o fundamento e condição - o pressuposto da própria formação do capital.
Uma vez que o trabalho vivo - com a troca entre capital e trabalhador - se incorpora ao capital e aparece como atividade a este pertencente desde o início do processo de trabalho, todas as forças produtivas do trabalho social passam a desempenhar o papel de forças produtivas do capital, do mesmo modo que a forma social geral do trabalho aparece no dinheiro como propriedade de uma coisa. Assim, a força produtiva do trabalho social e suas formas particulares se apresentam então na qualidade de forças produtivas e formas do capital, do trabalho materializado, das condições materiais (objetivas) do trabalho - as quais, nessa forma independente, em face do trabalho vivo, se personificam no capitalista. Eis aí, mais uma vez, a relação pervertida, que, ao tratar do dinheiro, chamamos de fetichismo.”

Fonte: MARX, Karl. Produtividade do Capital, Trabalho Produtivo e Improdutivo. Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/marx/1863/mes/prodcapital.htm. Acesso em: 20/09/2013.








Texto 8: o cerne de um sistema de domínio não está no arbítrio de quem detêm o poder e sim nas relações de poder que possibilitam tal dominação.

“Por que a vontade do capitalista norte-americano difere da do capitalista inglês? E para responder a esta questão, não teriam outro remédio senão ir além dos domínios da vontade. É possível que venha um padre dizer-me que Deus quer na França uma coisa e na Inglaterra outra. E se o convido a explicar esta dualidade de vontade, ele poderá ter a impudência de responder que está nos desígnios de Deus ter uma vontade em França e outra na Inglaterra. Mas nosso amigo Weston será, com certeza,a última pessoa a converter em argumento esta negação completa de todo raciocínio.
Sem sombra de dúvida, a vontade do capitalista consiste em encher os bolsos o mais que possa. E o que temos a fazer não é divagar acerca da sua vontade, mas investigar o seu poder, os limites desse poder e o caráter desses limites.” 

Fonte: MARX, Karl. Salário, Preço e lucro. Disponível em: http://www.marxists.org/portugues/marx/1863/mes/prodcapital.htm. Acesso em: 20/09/2013.



 

Texto 9: a definição de tipo ideal.

“Um conceito ideal é normalmente uma simplificação e generalização da realidade. Partindo desse modelo, é possível analisar diversos fatos reais como desvios do ideal: Tais construções (...) permitem-nos ver se, em traços particulares ou em seu caráter total, os fenômenos se aproximam de uma de nossas construções, determinar o grau de aproximação do fenômeno histórico e o tipo construído teoricamente. Sob esse aspecto, a construção é simplesmente um recurso técnico que facilita uma disposição e terminologia mais lúcidas.”

Fonte: Weber, Max. A “objetividade” do conhecimento das ciências sociais; tradução de Gabriel Cohn. São Paulo: Ática, 2006.






Texto 10: as noções de ação social e causalidade.

“Para a consideração científica que se ocupa com a construção de tipos, todas as conexões de sentido irracionais do comportamento afetivamente condicionadas e que influem sobre a ação são investigadas e expostas, de mais clara, como “desvios” de um curso construído dessa ação, no qual ela é orientada de maneira puramente racional pelo seu fim (...) [para aquela consideração] é conveniente verificar primeiro como se teria desenrolado a ação caso se tivesse conhecimento de todas as circunstâncias e de todas as intenções dos protagonistas e a escolha dos meios ocorresse de maneira estritamente racional orientada pelo seu fim, conforme a experiência que consideramos válida. Somente esse procedimento possibilitará a imputação causal dos desvios às irracionalidades que os condicionam.”

Fonte: Weber, Max. Economia e Sociedade: fundamentos de sociologia compreensiva. Volume 1; tradução de Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa; revisão técnica de Gabriel Cohn. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília: São Paulo, 2000.





Texto 11: a centralidade do indivíduo na análise weberiana.
"não são, naturalmente, mesmo quando apresentam uma 'evidência' muito grande, mais do que meras hipóteses para uma imputação causal. Faz-se necessário, portanto, uma verificação na qual se emprega os mesmos meios como em qualquer outra hipótese. Elas valem para nós como hipóteses utilizáveis enquanto vemos uma 'possibilidade', que é muito diferente de caso para caso, de poder supor que existam cadeias de motivações 'providas de sentido.
[...] exatamente por esta razão, nesta maneira de ver, o indivíduo constitui o limite e o único portador de um comportamento provido de sentido". 
Fonte: WEBER, Max. A Ciência como vocação. In: WRIGHT MILLS, C. E GERTH, H.H. Org. Ensaios de Sociologia. 5ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1982.







Texto 11: a historicidade dos conceitos e das idéias

“Ora, os costumes e as idéias que determinaram esse tipo, não fomos nós, individualmente, que os fizemos. São produto da vida em comum e exprimem suas necessidades. São mesmo, na sua maior parte, obra das gerações passadas. Todo o passado da humanidade contribuiu para estabelecer esse conjunto de princípios  que dirigem a educação de hoje; toda nossa história aí deixou traços, como também o deixou a história dos povos que nos precederam. Da mesma forma, os organismos superiores trazem em si como que um eco de toda a evolução biológica de que são o resultado. Quando se estuda historicamente a maneira pela qual se formaram e se desenvolveram os sistemas de educação, percebe-se que eles dependem da religião, da organização política, do grau de desenvolvimento das ciências, do estado das indústrias, etc. Separados de todas essas causas históricas, tornam-se incompreensíveis. Como, então poderá um indivíduo pretender reconstruir, pelo esforço único de sua reflexão, aquilo que não do pensamento individual? Ele não se encontra em face de uma tabula rasa, sobre a qual poderia edificar o que quisesse, mas diante de realidades que não podem ser criadas, destruídas ou transformadas à vontade. Não podemos agir sobre elas senão na medida em que aprendemos a conhecê-las, se não nos metermos a estudá-las, pela observação, como o físico estuda a matéria inanimada, e o biologista, os corpos vivos”.

Fonte: DURKHEIM, Émile. Educação como processo socializador: função homogeneizadora e função diferenciadora. Disponível em: http://www.gutierrez.pro.br/cdpead/pead/textos/durkheim.pdf. Acesso em: 21 de outubro de 2013.






Texto 12: método e fato social.

 

“Em face das doutrinas práticas, nosso método permite e requer a mesma independência. A sociologia, assim entendida, não será nem individualista, nem comunista, nem socialista, no sentido que se dá vulgarmente a essas palavras. Por princípio, irá ignorar essas teorias, às quais não poderia reconhecer valor científico, já que elas tendem diretamente, não a exprimir os fatos, mas a reformá-los. Pelo menos, se se interessa por elas, é somente na medida em que as vê como fatos sociais capazes de ajudá-la a compreender a realidade social, ao manifestarem as necessidades que movem a sociedade. Isso não quer dizer, porém, que a sociologia deva se desinteressar das questões práticas. Pôde-se ver, ao contrário, que nossa preocupação constante era orientá-la de maneira que pudesse alcançar resultados práticos. Ela depara necessariamente com esses problemas ao término de suas pesquisas. Mas, exatamente por só se apresentarem a ela nesse momento e por decorrerem portanto dos fatos e não das paixões, pode-se prever que tais problemas devam se colocar para o sociólogo em termos muito diferentes do que para a multidão, e que as soluções, aliás parciais, que ele é capaz de propor.não poderiam coincidir exatamente com nenhuma daquelas nas quais se detêm os partidos. O papel da sociologia, desse ponto de vista, deve justamente consistir em nos libertar de todos os partidos, não tanto por opor uma doutrina às doutrinas, e sim por fazer os espíritos assumirem, diante de tais questões, uma atitude especial que somente a ciência pode proporcionar pelo contato direto com as coisas: Com efeito, somente ela pode ensinar a tratar com respeito, mas sem fetichismo, as instituições históricas sejam elas quais forem, fazendo-nos perceber o que elas, têm ao mesmo tempo de necessário e de provisório, sua força de resistência ê sua infinita variabilidade.

Em segundo lugar, nosso método é objetivo. Ele é inteiramente dominado pela idéia de que os fatos sociais são coisas e como tais devem ser tratados. Certamente, esse princípio se encontra, sob forma um pouco diferente, na base das doutrinas de Comte e de Spencer. Mas esses grandes pensadores deram muito mais sua fórmula teórica do que o puseram em prática. Para que ela não permanecesse letra morta, não bastava promulgá-la; era preciso torná-la a base de toda uma disciplina que se apoderasse do cientista no momento em que ele abordasse o objeto de suas pesquisas e que o acompanhasse em todos os seus passos. Foi a instituir essa disciplina que nos dedicamos. Mostramos como o sociólogo deveria afastar as noções antecipadas que possuía dos fatos, a fim de colocar-se diante dos fatos mesmos; como deveria atingi-los por seus caracteres mais objetivos; como deveria requerer deles próprios o meio de classificá-los em saudáveis e em mórbidos; como, enfim, deveria seguir o mesmo princípio tanto nas explicações que tentava quanto na maneira pela qual provava essas explicações. Pois, quando se tem o sentimento de estar em presença de coisas, nem sequer se pensa mais em explicá-las por cálculos utilitários ou por raciocínios de qualquer espécie. Compreende-se muito bem a distância que há entre tais causas e tais efeitos. Uma coisa é uma força que não pode ser engendrada senão por outra força. Buscam-se então, para explicar os fatos sociais, energias capazes de produzi-los. As explicações não apenas são outras, como são demonstradas de outro modo, ou melhor, é somente então que se sente a necessidade de demonstrá-las. Se os fenômenos sociológicos forem apenas sistemas de idéias objetivas, explicá-los é repensá-los em sua ordem lógica e essa explicação é sua própria prova; quando muito será o caso de confirmá-la por alguns exemplos. Ao contrário, somente experiências metódicas são capazes de arrancar das coisas seu segredo.”


Fonte: DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. Disponível em: