sexta-feira, 21 de novembro de 2014



A REVISTA CONVERGÊNCIA CRÍTICA (ISSN 2238 9288) convida pesquisadoras e pesquisadores da área de Humanidades a participarem do Dossiê “QUESTÃO AGRÁRIA: CRUZANDO AS VISÕES SOCIOLÓGICA, HISTÓRIA E GEOGRÁFICA" para a sua quarta edição. Todo material recebido é submetido à avaliação da Comissão Editorial e de pareceristas externos. Os artigos serão publicados com uma licença livre, Creative Commons Atribuição Uso não-comercial, o que quer dizer que os artigos podem ser adaptados, copiados e distribuídos, desde que o autor seja citado e que não se faça uso comercial da obra.

A próxima edição receberá textos para seleção e publicação até o dia 05/07/2015. As instruções para publicação podem ser conferidas no site da Revista: http://www.uff.br/periodicoshumanas/index.php/convergenciacritica/about/submissions#onlineSubmissions  . Como é praxe no periódico, os artigos devem ser submetidos nas línguas portuguesa ou espanhola. Para mais informações, escreva-nos: rconvergenciacritica@gmail.com

Além dos artigos, neste número a revista receberá resenhas e entrevistas.

Pedimos a especial gentileza de divulgar em vossa lista.
Cordialmente,


Comissão Editorial.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

            
       NEPETES           



O Núcleo de Estudos Rurais, o Centro de Estudos Agroambientais 
da América Contemporânea e a Associação de Imprensa Campista 
convidam para o Seminário

ESTATUTO DA TERRA 50 ANOS DEPOIS

Dia 19 de novembro

10:30 – 12:30 – O Estatuto e sua história

Vanderlei Vazelesk – Unirio
Wanderson Melo – Puro/UFF
Leonardo Soares – ESR/UFF


14:00 – 16:30 – A questão agrária em Campos

Hermes Oliveira – MST/Campos
Paulo Honorato – Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Campos


Local: Auditório da Associação Campista de Imprensa
Rua Tenente Coronel Cardoso, 460, Centro, Campos dos 
Goytacazes (RJ). Tel (22) 2722 7372



  NEPETES           

sexta-feira, 10 de outubro de 2014



Segundo os neoliberais, a educação no Brasil é boa. O que atrapalha são os professores.


Por Leonardo Soares dos Santos.
Como se já não bastasse as péssimas condições de trabalho reinantes nesse país, em todas as áreas e instâncias, os professores ainda têm que lidar com a truculência e a campanha absurda promovida por meios de imprensa e figuras que representam os interesses do Mercado no campo da Educação.
No afã de destilar toda a sua oposição pelos profissionais da educação, em particular, e pelos servidores públicos, em geral, João Batista, ao invés de fazer jus ao nome, procura assassinar a verdade, distribuindo socos e ponta-pés contra o argumento lógico, conforme se pode ver no artigo intitulado “Professores, de heróis a coitadinhos” (O Globo, 27/09/14, p. 23).

Ler o artigo na íntegra AQUI.



domingo, 1 de junho de 2014




Leonardo Soares dos Santos

Professor de História da UFF/Campos





É simplesmente inacreditável um volume tão concentrado de deboche, falta de bom senso e vulgaridade num texto tão pequeno. Mas Carlos Alberto Sardenberg consegue realizar tal proeza toda semana - e isso há mais de uma década, e tendo o jornal da família Marinho como palco. Havemos de reconhecer: nem se um economista dos mais ignorantes, limitados e medíocres quisesse, ele conseguiria escrever panfletos neoliberais tão esdrúxulos e repugnantes quando o do sr. Sardenberg.


Em verdade, custo a acreditar que esse senhor ainda insista em se apresentar como algo que não humorista de comédia pastelão.


Em mais uma demonstração de completo desprezo pela inteligência alheia e pelo respeito mesmo que mínimo pela realidade dos fatos, o dublê de economista escreve mais um dos seus horripilantes panegíricos, onde costumeiramente tudo que diga respeito a números, fatos, dados, estatísticas e demais artefatos da esfera empírica e objetiva são impiedosamente surrados.


No texto de alcunha “público e privado”, Sardenberg procura novamente testar a resistência de nossos neurônios a argumentos de caráter tão simplório.


O autor parte – como sempre - de uma situação bastante pontual para depois construir as suas absurdas generalizações sobre Estado, Mercado e sociedade, para no final sempre coroar o seu discurso com a autêntica lição de moral – tudo acaba mal se começa sem Mercado e mais Mercado! 


E, dessa vez, tudo começa pela sua brilhante constatação de que não “existe produção de prótese ortopédica no Brasil. Pode-se importar, mas é caro. Uma prótese de membro inferior, por exemplo, sai por uns R$ 4 mil, boa parte disso em impostos. Uma enorme dificuldade, cuja solução já existe. Dois jovens brasileiros, Lucas Strasburg e Eduardo Trierweileir, de Novo Hamburgo (RS), inventaram o Revo Foot, prótese de perna e pé, feita de plástico reciclado, invento premiado em feira mundial, e que deve custar em torno de R$ 200, antes dos impostos, claro. Mas não conseguiram ir além do protótipo: não há no Brasil um sistema de certificação para permitir a produção comercial.”


Bem, e daí? Aguardemos, pois o liberal de (de)formação técnica em jornalismo se atira em outro caso isolado: 

Voemos do Sul para o município de Ibimirim (PE), mais exatamente para o Sítio Frutuoso, onde o agricultor José Gabriel Bezerra, tem uma próspera lavoura de milho, melancia e feijão, num ambiente de seca e perdas. A propriedade é irrigada. Sabem como? Um poço que ele construiu com seu próprio dinheiro, cansado de esperar pelas prometidas obras públicas.



Agora vamos à moral da estória dos cientistas de Novo Hamburgo:

Os jovens gaúchos desenvolvem sua idéia há mais de seis anos, com objetivos claramente sociais: produzir algo nacional, bom e barato Era inicialmente um trabalho de fim de curso, da Escola Técnica Liberato, pública. E uma ousadia: trocar fibra de carbono por plástico reciclado? Parecia piada. Pois chegaram a uma prótese testada e retestada(sic) em diversos laboratórios universitários e privados. Experimentaram em um parente – prótese do pé esquerdo – que está muito satisfeito. Batizaram de Revo Foot e tiraram o segundo lugar num concurso do Massachussets Institute Of Technology para inovadores globais com menos de 35 anos.

Toca produzir a coisa no Brasil, claro. Não pode. Precisa certificar. OK, como faz? Não faz. Os órgãos publicos não têm normas, muito menos máquinas para testar essas próteses. Sabem o que Lucas e Eduardo resolveram fazer? Estão tentando produzir a primeira máquina brasileira de certificação de próteses, junto com normas e demais mecanismos.

É louvável a garra dos rapazes, mas está na cara que essa não é mais função deles. É do governo, do setor publico. Devia ser…



Não se discute aqui que os governos deveriam investir mais e melhor na educação e na área de ciência e tecnologia, coisa que ele nunca fez, senão de maneira esparsa e fragmentada. Agora, o discurso de que os meninos gaúchos são frustrados em seu empreendimento por culpa única e exclusiva do Estado é não apenas problemático como um verdadeiro engodo. Para completar, o autor omite – de maneira proposital – algumas informações básicas, como a de que próteses e órteses são distribuídas gratuitamente pelo SUS. De acordo com o Portal Brasil (http://www.brasil.gov.br/saude/2012/04/orteses-e-proteses), o  

Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente equipamentos sensoriais e de locomoção ao brasileiro com deficiência. Estão à disposição dos pacientes dezenas de tipos de próteses (utilizadas como substitutas de membros e articulações do corpo), órteses (aparelhos que servem para alinhar ou regular determinadas partes do corpo) e aparelhos para auxiliar no deslocamento do dia a dia.

O SUS oferece atendimento em diversas especialidades como oftalmologia (com a oferta de lupas, lentes e óculos especiais para determinadas enfermidades), otorrinolaringologia (com aparelhos auditivos e de amplificação da voz) e ortopedia (com cadeiras de rodas, muletas, palmilhas e próteses de membros inferiores e superiores), entre outras.

O atendimento ao cidadão com deficiência também inclui o trabalho de reabilitação e o acompanhamento de sua evolução com a realização de exames periódicos. Os pacientes que necessitam de algum tipo de equipamento de auxílio para a sua condição médica é encaminhado para os centros de referência ou hospitais com a devida especialização em suas regiões ligados ao SUS.



Mas claro, por que não omitir isso e reforçar entre os incautos a idéia de que o Estado é um ente nefasto, decrépito, sórdido e malévolo? Que ele impede o pobre do indivíduo de desenvolver suas potencialidades, de ser feliz e realizado, como quer o Mercado, e até de ter uma prótese para poder andar?  


Nada mais repulsivo, mas que é insistentemente difundido pela propaganda maniqueísta e insidiosa dos neoliberais. E é claro que a propaganda falaciosa tem que ser assim construída para no final tentar enganar a sociedade com a clássica solução: “ – Entrega para o Mercado que ele resolve!”


Sendo que hoje o principal responsável pela calamitosa situação do campo da ciência no país é exatamente da iniciativa privada, que atua com seus lobbys para a manutenção de monopólios. Deixa de pagar os impostos devidos, que boicota todas as votações no Congresso que tentam direcionar maiores verbas para a educação. E ainda há outro caso revelador, que não encaixa bem na propaganda ideológica neoliberal: o próprio Ciência sem fronteiras, um programa do governo federal que visa o intercâmbio de alunos universitários no exterior, foi ostensivamente boicotado pela iniciativa privada, que não cumpriu nem com 10% das bolsas que havia acordado com o governo. E agora Sardenberg?


Mas ele não desiste em sua ação missionária, como típico militante da seita neoliberal, Sardenberg sobe de novo à montanha e reinicia seus sermões moralistas:

A história do agricultor de Ibimirim tem o mesmo conteúdo.  Ele tocava lá seu sítio, sempre batalhando com a falta de água. Ouviu muitas promessas e anúncios de instalação de poços e cisternas. Como mostra a reportagem de O Globo, até que muitos poços foram perfurados. Mas, num falta a energia elétrica para bombear a água. No outro, falta a canalização para distribuir. Mais adiante, a população local não pode utilizar a água, pois é levada para áreas mais populosas.

Sabe de uma coisa? –pensou José Gabriel Bezerra. “A gente tem de resolver”. Mudou-se para São Paulo, arrumou emprego na construção civil, juntou R$ 30 mil, voltou para Ibimirim e aplicou tudo num poço de 150 metros. Resolvido.

Mas, cuidado. O governo finalmente construiu ali na região cinco adutoras profundas. O agricultor tem medo que essas puxem a água do seu poço. Era só o que faltava. Frase exemplar de Bezerra:

“Gastei tudo o que tinha para não depender do governo. Mas tenho medo que, com as adutoras, a água da gente acabe”.



Mas nesse caso, ele nem espera os possíveis fiéis meditarem e já lhe lança na face outra exortação fanática, agora dando nome ao santo:

Não há como não lembrar de Ronald Reagan: o governo não é a solução, é o problema.



Bem, agora a máscara cai de vez: o sujeito elege como salvador messiânico o homem que começou todo um dramático processo de destruição do parque industrial norte-americano, que fez a fortuna de empresas ligadas ao ramo da indústria, dos bancos, da saúde, o farmacêutico etc. Tudo isso à custa de assustadores índices de desemprego, aumento da desigualdade econômica e de sucateamento dos serviços públicos. Como um neoliberal não se apaixonaria por um homem como esse? Como um sujeito com tais propensões ideológicas não colocaria num pedestal uma criatura que governou para fortalecer os privilégios de uma elite econômica?


Tudo bem que isso não consista em nenhuma novidade, até porque quando não é Reagan, o autor adora louvar e santificar os feitos do General Augusto Pinochet: “nunca o Chile cresceu tanto, nunca os chilenos foram tão felizes, nunca a economia chilena foi tão próspera...”. O que evidencia de uma forma tão cristalina a relação absolutamente sui generis que os liberais têm com a democracia, mesmo com a democracia deles – a liberal-representativa, única e exclusivamente formal, de fachada, oca e opaca. Mas com a qual nem eles - os liberais - nutrem grande apreço. O que reproduz a mesma concepção que eles tinham sobre a escravidão. Aqui como nas sangrentas ditaduras que massacraram milhões de cidadãos em Nuestra América, os ideólogos liberais deixavam bem claro que a liberdade de comércio e do Mercado era muito mais importante que as liberdades individuais.


Satisfeito o Sardenberg? Não, ele prossegue em sua alucinada doutrinação ideológica de fundo religioso:

E o problema maior é que não dá para se livrar do governo. A esquerda costuma acusar os liberais de querer destruir o Estado. Mesmo, porém, que sonhem com isso, os liberais sabem que o Estado e seus impostos são inevitáveis.

Vai daí, eis uma agenda bem brasileira, adequada para um ano de eleições presidenciais. O Brasil só vai voltar a crescer com mais investimentos privados e públicos.



É claro que os liberais não querem destruir o Estado. E eles nunca quiseram. Pois foi esse mesmo Estado (vamos aceitar aqui o reducionismo infantil do termo efetuado pelo autor, finjamos que ele tenha alguma validade) com os quais eles sempre se locupletaram; foi esse mesmo Estado que fez fortunas de vários empresários da iniciativa privada: vide os casos das empresas de ônibus, de trem, de metrô, da educação universitária etc. E isso ficou bem claro no Golpe de 64, que foi ardorosamente apoiada pela classe empresarial brasileira.


E o que seria desses empresários se não fosse o Estado desviando recursos da educação, saúde, transporte e segurança pública para produzir a riqueza dos milionários da iniciativa privada via concessão de empréstimos a juros abaixo do Mercado (- ah, aqui pode!), isenções fiscais; se omitindo quanto à prática de trabalho escravo, irregularidades trabalhistas, sonegação fiscal; fechando contratos fraudulentos, sem licitação, superfaturados; efetuando desapropriações, despejos, chacinas e massacres contra populações de baixa renda para a orgia dos empreendimentos da iniciativa privada (lembram-se de Pinheirinho, Vila Autódromo, Açú, Belo Monte etc. etc. etc.?) e um sem número de práticas de crimes, roubos e atentados contra a economia popular e aos cofres público?


Só mesmo um sujeito extremamente acéfalo, que desconheça por completo toda a nossa história recente para acreditar em toda essa balela. Só mesmo não vendo o que esteve por trás da chamada “Revolução Redentora de 1964” e décadas depois com o ajuste neoliberal, com a farra dos setores bancários, das empreiteiras e dos fundos de pensões, para conseguir crer que o Estado seja o grande problema.

Mas o ideólogo dá de ombros. Porém, ele desdenha não só da realidade

Para que floresçam os privados, é preciso que o governo, primeiro, não atrapalhe as iniciativas de gente como os jovens de Novo Hamburgo. E, segundo, dar o necessário suporte a negócios como o do agricultor do sertão.

Primeiro ponto, portanto, é abrir espaço e criar boas condições para o investimento privado. Isso requer ação política, mudança de legislação, incluindo privatizações.



Agora, de maneira abrupta, o pregador neoliberal rasga sua batina (das cores da bandeira norte-americana), bem ali no púlpito mesmo; também joga longe o livrinho de sermões neoliberais do Profeta Pinochet (talvez seja a sua bíblia); põe um protetor bucal, veste a sua armadura, sem – é claro – deixar de fazer sua carinha de mal, parte com uma fúria para uma verdadeira luta de UFC, só que desferindo murros, pontapés, cotoveladas e rabos-de-arraia contra a verdade e o bom senso.


Como o sujeito pode dizer que um governo que faz a fortuna da elite financeira, promovendo uma inconseqüente precarização das relações trabalhistas, uma política extorsiva de juros e seguidos perdões de dívidas do setor privado, pode atrapalhar alguma coisa que diga respeito à iniciativa privada?


Como um sujeito pode apelar para as privatizações como solução de algum mal? Afinal, em que mundo a mente do Sr. Sardenberg habita? Marte, Lua, O Mundo de Alice? Pois no Brasil, muito provável que não. A não ser que ele feche os olhos para o que as privatizações fizeram com a telefonia (um dos piores serviços do mundo e o mais caro, seja a convencional seja a móvel), os trens, o metrô, os ônibus, as barcas do Rio, os serviços de luz e energia. Só mesmo muito fanatismo e cegueira ideológica para a criatura brigar tanto com os fatos da realidade.


Com uma sobriedade, só vista nos mais compulsivos e obstinados soldados de exércitos de cunho místico, ele complementa. Mais uma vez, a verdade é posta de lado.

O segundo ponto é dar eficiência e produtividade às ações do Estado. E foco em educação, saúde e segurança.

Para o resto, é melhor fazer a concessão de obras e serviços para o investidor privado. Quando isso não for possível, o governo deve trabalhar com os parâmetros de produtividade do setor privado.

Tem muito lugar em que é assim, inclusive no Brasil, como a boa escola técnica Liberato.



Veja se uma iniciativa privada que vive de bolsa-empresário e das tetas sempre generosas do Estado (vide os nosso falidos clubes de futebol) pode dar lição de boa gestão para alguém?

Realmente, o único lugar onde a privatização do Estado deu certo foi na cabeça careca (mas cheias de dogmas, crendices e charlatanices neoliberais) do pregador do Novo Testamento (de óbito) escrito pelas mãos (sujas de suor e sangue) do empresariado tupiniquim. 



quarta-feira, 28 de maio de 2014

Por que os neoliberais sentem tanto prazer em vandalizar o argumento histórico?

 

 Por Leonardo Soares, para Desacato.info.

Após o impacto da obra do economista Thomas Piketty (O Capital no século XXI) e da colossal repercussão em praticamente todo o planeta, os seguidores da seita liberal não tem poupado  ataques, golpes mais do que baixos, acusações de que ele é um “marxista” e comentários que só expressam a profunda e incontornável desonestidade intelectual que marca a visão de mundo desses fanáticos fundamentalistas do “pensamento” econômico.

(...)

ARTIGO COMPLETO AQUI.

quinta-feira, 22 de maio de 2014










Zuenir é o clássico caso de sujeito cujas idéias já passaram do prazo de validade mas que ainda se agarra a idéia de que os cabelos brancos podem lhe dar total impunidade, mesmo enunciando tantas barbaridades em forma de texto.

Zuenir é um daqueles que acham que o país lhe deve até hoje por ter chamado o regime militar - que matou, torturou e seqüestrou as liberdades democráticas do Brasil por 21 anos – de bobo e feio. Se não fossem os excessos cometidos por esse brutal regime, é bem provável que a ditadura nem chamasse a atenção do autêntico revolucionário de gabinete: tirante os amigos e familiares do velho crítico que foram perseguidos, a Ditadura mais parecia uma pujante democracia.

Tanto é assim, que findo o asqueroso aparato ditatorial, a continuação de todo um processo de recorrente violência estatal, a repressão política e social a grupos marginalizados na sociedade, a repressão descabida, os seguidos casos de brutalidade policial, os milhares de exemplos e denúncias de tortura nos porões da democracia formal-liberal e tantas outras situações de extrema violação de direitos básicos de cidadãos das camadas pobres do país, nada disso parece ter feito o combatente da Praia do Leblon imaginar que tudo acima apontado pode muito bem ser encarado como um projeto de controle e esmagamento das classes pobres e pretas que é em tudo semelhante ao que era realizado pela ditadura militar, só que antes direcionado contra grupos políticos de esquerda.

Que nada. Para o homem das causas que nunca foram vencidas (até porque a elas ele nunca compareceu...), a questão da segregação sócio-racial na cidade do Rio de Janeiro, por exemplo, seria fruto tão somente da existência de duas “cidades”, uma sem-lei (favelas) e outra civilizada (a sua doce Zona Sul). Tudo se resumiria então na questão da omissão do Estado em combater o poder paralelo, que teria seqüestrado os territórios favelados da cidade, impondo um regime de terror sem precedentes; tudo transcorreria desse jeito: vilões que teriam saído não se sabe de qual caverna ou galeria subterrânea (ou vindos de um outro planeta, quem sabe?) teriam invadido o espaço das favelas (também extra-terrestre), vitimando pessoas inermes, desvalidas e apáticas – contando com a pusilanimidade de um Estado dorminhoco, babão, mentecapto e quem não dá o verdadeiro valor a essa gente que trabalha, rala e sonha por um dia melhor...

Miolo mole

Mas o que é isso seu Zuenir? As intermináveis tardes no calçadão do Leblon fizeram o que com o que restou da sua capacidade de raciocínio crítico? Se o nosso amigo da elite carioca, antes de se meter a fazer uma análise profunda da segregação social, partisse daquela mágica pergunta, a clássica indagação dos advogados – “Mas a quem interessa tudo isso?”, é crível que muita sandice e banalidade deixasse de ser escrita. Mas não. E o pior: todo o lamentável espetáculo de desinformação e vulgaridades travestidas de conceitos minimamente sérios desfilados em seu “Cidade partida” ainda conseguiu figurar acompanhado do rótulo de análise-séria-e-profunda-de-um-típico-representante-do-pensamento-de-esquerda. Que absurdo! (O Barão de Itararé fazendo piada seria mais frutífero que uma observação do Zuenir concentrado, em posição meditabunda).

E dessa imagem o intelectual orgânico do Posto 11 soube se servir. Os espaços em jornais lhe afloram até hoje. Seus livros são lidos, muito menos pela qualidade (rasa e redundante) e muito mais pela áurea de “um homem que lutou bravamente contra o tacão da censura”.

Mas há momentos que Zuenir não se deixa mentir. Longe disso. O seu “Na Idade das Pedras”, estampado no jornal O Globo, é mais um constrangedor retrato da degradação intelectual do pseudo-esquerdismo que tanto lucrou se encostando em mitologias sobre a resistência à Ditadura.


Não fala bobagem!

Vamos a alguns trechos. Advirto logo: vocês não estão diante de uma paródia do Justos Veríssimo, da Odete Roitman ou do Caco Antibes – não, de jeito nenhum. Trata-se de elementos do repulsivo raciocínio do senhor Ventura.

Assim ele começa o seu rosário que faz lembrar muita vovó da Marcha da Família com Deus:

Algumas semanas "fora, e a volta a um país de cara amarrada, espumando de raiva, quebrando e depredando como se estivesse na Idade das Pedras, além das de crack. Depredar 708 ônibus em dois dias é uma proeza inédita. Em mais de 60 anos no Rio, nunca vi igual.

Nunca ver nada não é de hoje por parte do Zuenir. Ele não vê nada que transcenda as fronteiras da República do Leblon. E o sujeito consegue comparar trabalhadores e manifestantes com criminosos e viciados. Nada mais deplorável. Nem os meganhas do DOI-CODI chegavam a tanto. Nem eles desciam a um nível de indigência intelectual tão abjeto. E baseado em quê ele nos fala de 708 ônibus depredados? Só mesmo um ancião que nunca pegou um ônibus ou uma van, que ao invés de gastar mais de 6 horas por dia para se deslocar da casa para o trabalho, despende todo o seu tempo para queimar passar no calçadão de Ipanema, pode sentir tanta peninha do pobre cartel que domina o lucrativo sistema de transportes do Rio. No mais senhor Zuenir, adote um empresário de empresa de ônibus...

Zuenir, o Godzilla do Leblon

Logo a seguir, Zuenir dá mostra do avançado estágio terminal do seu respeito pela integridade intelectual:

Parece que estamos atravessando um cumulus nimbus, aquelas nuvens que são o terror dos passageiros aéreos porque provocam turbulências capazes de derrubar o avião. Não fosse o medo de ser acusado de racismo, eu diria que a coisa tá preta. Se até Jair Rodrigues parou de sorrir.
O desvio virou norma e, contrariando o princípio da democracia, em que prevalece a vontade da maioria, a minoria é quem manda agora, ou tenta mandar. Por qualquer reivindicação, um pequeno número de manifestantes pode impedir o trânsito de milhões de pessoas a caminho do trabalho ou de casa.

Exceto a parte em que ele mais uma vez agride o direito de greve dos trabalhadores, um direito constitucional, pertencente a qualquer democracia minimamente decente e que nunca seria contestada no continente tão endeusado por ele – a Europa -, Zuenir mostra o quanto passar o tempo todo na praia pode sim torrar os miolos de um sujeito: pois, como explicar frases tão desconexas e sem sentido como “até Jair Rodrigues parou de sorrir”(?!?!?!) ou “passageiros aéreos” que utilizam avião? Mas o que é isso? Alguém entendeu alguma coisa?????
 
Mas atacar o direito de qualquer cidadão/cidadã e trabalhador/trabalhadora de realizar greve nesse país (direito que só era contestado pelas ditaduras mais selvagens e odiosas da história) parece ser o refrão preferido do “ex-querdista”. Para isso ele não hesita em lançar mão de um conjunto canhestro de inverdades e distorções dos fatos.

O exemplo mais gritante foi a greve dos rodoviários cariocas, promovida por um grupo minoritário de “dissidentes”, que, derrotados na assembleia da classe, impuseram à força e contra a vontade do próprio sindicato e da Justiça a paralisação da cidade por 48 horas.
Um amigo me aconselhou: “Fica calmo, porque vai piorar até a Copa.” Minha esperança é que seja um surto, e que a pouca adesão aos protestos de anteontem mude a orientação.

De onde o senhor tirou isso. Como pode ter se informado tão bem assim lá de Portugal (pobre terrinha!)? Ou estamos diante de mais uma torpe tentativa de apresentar uma campanha ideológica de agressão aos movimentos sociais sob a capa de notícia?
É intrigante pensar o que dizia Zuenir quando as tentativas de se organizar greves durante o regime militar eram duramente reprimidas, com seus “cabeças” e “dissidentes” levados aos porões da tortura, às casas da morte e seus corpos levados aos rios, ribanceiras e matagais desse país à fora. Seriam esses tempos (o do Regime) de mais esperança, mais alívio e menos medo?

Para finalizar seu destemperado arrazoado contra o direito do trabalhador e da sociedade em geral em se manifestar e lutar pelos seus direitos – inclusive o de viver com o mínimo de dignidade – Zuenir tenta descer a um nível mais baixo ainda na sua análise sociológica, comparando o cenário dos movimentos sociais a um “sanatório” e acusando a psicanálise como a grande inspiradora do seu palavrório alucinado – pobre Freud!
Desde que Freud passou a substituir Marx nas análises da realidade, sabe-se que o meio ambiente não explica tudo. Assim, para entender o sanatório geral que é hoje o Brasil, recomenda-se chamar, além dos sociólogos, os psicanalistas.

E poderíamos completar: no caso de autores de reacionarismo tão senil, com flagrantes sinais de decadência ideológica, recomendamos um geriatra.






sexta-feira, 16 de maio de 2014




saiu no portal Desacato.info

Mesmo quem tem estômago para estudar e dissecar (essa é a palavra mais exata) o pensamento liberal não deixa de se surpreender com algumas de suas atrocidades. É simplesmente assustador.
O curioso é que uma das análises mais precisas sobre o liberalismo foi feita há quase 10 anos atrás por um autor não muito apreciado pela esquerda marxiana. Falo das reflexões de Boaventura de Sousa Santos apresentadas em “Pela mão de Alice” (São Paulo: Cortez, 2006). Até mesmo um sujeito que não é muito simpático ao materialismo histórico acaba se assustando com a aterradora manifestação de desprezo e ojeriza desse pensamento face ao direito que a espécie humana tem em viver com um minimo de dignidade.
 (...)

Artigo completo aqui.

segunda-feira, 12 de maio de 2014






Além de apaixonado pela música e pela cultura nacional, Jair Rodrigues foi um dos maiores entusiastas do Golpe de 64 e da Ditadura Militar que se lhe seguiu. Num belo texto, o historiador Gustavo Alonso mostra essa faceta tão pouco divulgada do nosso Jair.

Em "Ame-o ou Ame-o - A Música Popular e as Ditaduras Brasileiras", lemos nas págs. 4 e 5:

"Outro que se encantou com o discurso dos militares foi Jair Rodrigues, que cantou “Heróis da liberdade” em 1971, no LP É isso aí . Tratava-se de uma regravação de um samba-enredo do Império Serrano de 1969.
Quando serviu de tema para a escola carioca, a canção até poderia ser lida de forma menos patriota. Mas com as comemorações pelos 150 anos da independência se aproximando, o tom da música era por demais enaltecedor: “A independência laureando/ o seu brasão/ Ao longe, soldados e tambores/ Alunos e professores/ Acompanhados de clarim/ cantavam assim/ Já raiou a liberdade...”. Não era a primeira vez que Jair flertava com o discurso oficial. No LP
Festa para um rei negro,do ano anterior, Jair já havia gravado “Terra boa”, do repertório da dupla Don & Ravel, compositores de marchas apologéticas ao regime, como “Eu te amo meu Brasil” e “Você também é responsável”.
Curiosamente a imagem de apologista do regime parece não ter respingado em Jair, talvez por sua imagem de fundador do programa O Fino da Bossa, junto com Elis Regina em 1965, ainda estar muito em evidência na época. O programa da TV Record foi um dos agregadores e catalisadores do conceito de MPB na mídia, na indústria cultural e na sociedade. No entanto Jair foi ainda mais fundo e, sem dar margens para dúvida, em 1972 gravou a canção “Sete de Setembro” (Ozir Pimenta/Antonio Valentim), que serviu de trilha sonora do Encontro Cívico Nacional, que marcou a abertura do Sesquicentenário
da Independência."
(...)

Texto completo aqui.


sábado, 10 de maio de 2014









Depois de alguns anos sem ir a São Paulo, esse carioca da gema, com um pé – e uma cabeça enorme – no agreste pernambucano, foi conferir o que se passa na terra da garoa. Tenho família por parte de pai (conterrâneo do Lula e Eduardo Campos) que mora lá desde a década de 70.


E confesso: os paulistas não tem muito do que se orgulhar. A cidade, uma das maiores do mundo, ainda pena em diversos quesitos como o de infra-estrutura e até abastecimento de água. O racionamento já está comendo solto e o governador tucano está botando até a polícia para reprimir quem desperdiça água irresponsavelmente – o que vale principalmente para quem tem o deplorável costume de varrer a calçada com a mangueira.


Mas, desgraçadamente, tenho que admitir: os cariocas têm um mundo de razões para se envergonhar. Foi-se o tempo que os habitantes da cidade “maravilhosa” só sofriam de algum complexo de inferioridade quando tinham o seu doce recanto comparado com grandes obras-primas do universo urbano como Paris, Londres, Nova York e Amsterdam. Num tempo mais distante (bem mais), os cariocas morriam de inveja de Montevidéu e Buenos Aires. Foi-se o tempo. Pois hoje o Rio já ficou para trás, em termos de infra-estrutura, de cidades como Bombaim, Bogotá, Cidade do México e Cingapura. (Até 2003 é bem provável que perdesse para Bagdá também).


Porém, não há situação mais vexatória e dolorida para o carioca do que ele ter que constatar que São Paulo se encontra atualmente anos-luz a frente da Muy Leal e Heroica Cidade de São Sebastião.


Que ironia do destino, a cidade que muitos cariocas tinham o prazer em fazer troça, como a de chamá-la de “cemitério do samba” (Vinícius de Moraes), hoje é em quase tudo superior à capital ensolarada. A despeito da calamitosa situação vivida pelo MASP e, como já citado, da água, o que se vê é um festival de casos que tornam flagrante o quanto o Rio ainda se encontra estacionado no período colonial.


O gigantesco metrô do Rio. E suas 2 linhas...



 Desde meados da década de 80 o Rio convive com 2 linhas de metrô, passadas quase quatro décadas a cidade prossegue com as mesmas 2 linhas. Com quase nenhuma expansão de estações. A única coisa que se multiplica são os atrasos, os acidentes, as superlotações, o descaso e o desrespeito ao usuário-cidadão. Já em São Paulo, quando lá estive pela última vez – e isso em 2009 - a cidade só contava com 6 linhas, o que era um absurdo para uma metrópole de quase 20 milhões de sofredores. Hoje os paulistanos já usufruem de 12 linhas. É pouco? Claro que ainda sim. Mas, convenhamos, a cidade dobrou o tamanho de seu sistema. E outro detalhe: em que pese algumas linhas sofrerem de crônica superlotação, os trens são de excelente qualidade (a um custo que as autoridades policiais estão investigando, é bom que se diga!). Cobrem praticamente toda a cidade. Já no Rio, mais de 70% de seu território e a gigantesca população que nele vive continuam sendo refém de cartéis do transporte sobre rodas, que massacram o pobre do trabalhador com doses insuportáveis de desrespeito. Cartéis esses que continuam agindo e se multiplicando como uma praga de Baratas....

O metrô de SP...


Já os trens paulistanos são de qualidade inferior em comparação aos do metrô. Mas mesmo assim eles conseguem ser bem melhores do que as sucatas rodantes da Cia. de trens do estado fluminense. Na verdade, para que um sistema de trens seja superior a sua congênere do Rio, basta que os vagões andem e não descarrilem. Mesmo que sejam muito ruins, eles têm tudo para ser bem mais confortáveis do que os vagões da morte que vitimam os pobres trabalhadores da terra do samba.


E o poder público daqui ainda tem a desfaçatez de apresentar uma solução para esse grave problema do transporte: corredores expressos para os ônibus. É como se propusesse como solução para a sujeira da cidade jogar mais e mais lixo na rua.


Aliás, as ruas da cidade de São Paulo encontram-se muito mais limpas do que no Rio. Até aí, nada demais. Quase sempre foi assim. O Rio nunca foi uma das cidades mais limpas mesmo.  Agora é chocante ao nos depararmos com o Rio Tietê vermos que embora ainda continue bastante poluído, um imenso programa de obras está sendo feito para que ele volte a ser ao menos líquido.


Já em terras da Garota de Ipanema, as praias estão cada dia mais poluídas, a baía de Guanabara virou praticamente um monumental repositório de dejetos (líquidos, sólidos, gasosos, cósmicos etc.). Um show de horror, ainda mais tendo-se em vista o mar de dinheiro gasto para a sua despoluição - e por décadas. Mas a dinheirama acabou escoando, não para a baía de Guanabara, mas, muito provavelmente para a compra de muito sapato Louboutin à beira do Rio Sena, à Paris...


As ruas paulistanas vencem não apenas em questão de limpeza. Em termos de segurança também. Tais ruas lembram as de Copenhagem, de Berna ou Lausanne?? – Claro que não!  Mas já passavam de 11 horas da noite de um domingo e junto com minha esposa passeávamos tranquilamente em plena avenida Paulista, em meio a apresentações de músicos, feiras, escambos e outras pessoas que passeavam, tomavam sorvete, namoravam, fumavam cigarro ou outra coisa.


Agora, vamos lá: você teria coragem de andar pela avenida Rio Branco à luz do dia num sábado ou num domingo?


Tudo bem – muitos vão dizer – que São Paulo é a maior cidade do país. Mas – diabos - o Rio é a segunda. Do jeito que está parece que está abaixo da última. Mas um dado que joga por terra qualquer desculpa é o fato de que a cidade vem recebendo a pelo menos uns 10 anos um volume de dinheiro colossal, em razão da realização de grandes eventos como os Jogos Pan-Americanos, a Copa do Mundo e as Olimpíadas. E ao fim e ao cabo a gente tem a impressão que o grande evento que o Rio sediou foi uma Guerra.

Ou é possível pensarmos que o Rio, ao contrário de São Paulo, ainda não ultrapassou o período colonial?


Cartas para o governador Pé Grande.








Leonardo Soares dos Santos, professor de História da UFF.

quarta-feira, 7 de maio de 2014




Por Leonardo Soares 






Paulo Malhães não disse tudo antes de ser assassinado.  Além de assassino, torturador, mentiroso e terrorista, ele também era um livre empreendedor. Ele acabou não confessando uma outra faceta da sua doentia e aterradora personalidade: além de tudo acima citado, ele também era um Liberal.



Sim, ele era um Liberal! Talvez não por princípio ou convicção filosófica - é muito improvável que ele fosse um arguto leitor de Locke, Smith, Ricardo, Hayek, Friedman, Campos ou Merchior. Mas era um liberal por extinto. Ele era um liberal em ato. Um liberal prático, que colocava à prova a sua teoria nas ações de espancamento e execução dos seus opositores – os que acreditavam que a liberdade democrática é mais importante que a liberdade do Capital. E era Liberal também na medida em que arregaçou as mangas – e pistolas – para livrar a região onde morava da bandidagem.



Malhães era em tudo coerente (em pensamento, ação, omissão) com o regime ditatorial de que foi fruto e um dos grandes fomentadores. Toda a prática voltada para retirar a vida de homens e mulheres, de maneira torpe e brutal, seguia um macabro roteiro que começou a ser articulado bem antes do Golpe de 64 e já vinha sendo experimentado nos porões de delegacias policiais, matagais e rios da Baixada Fluminense.



Com seus crimes e “justiçamentos” Paulo pôs para funcionar um conjunto macabro de práticas de aniquilamento de grupos e figuras do que o Sistema entendia na conjuntura como sendo o grande mal, a grande ameaça à boa sociedade, o elemento subversivo, agitador, nefasto e terrorista.



Tortura e torturador: frutos de um Estado terrorista

Mas Paulo fez questão de afirmar que nada foi feito solitariamente. Ele demonstra que longe de ser um ato solitário ou à revelia dos altos escalões, as práticas de tortura seguiam uma rígida diretriz ditada por uma linha de comando que ligava os carniceiros das masmorras do regime à alta cúpula do regime ditatorial.



Várias execuções – inclusive de agentes de antigos colaboradores da ditadura – foram decididas pela chamada “comunidade de informações”. Sobre as torturas, ele declarou à Comissão da Verdade que “ele (o ministro) era sempre informado. Estava sabendo. Relatórios eram feitos e entregues ao chefe da seção.”



E Malhães não era o único. Todos já sabem. Mas não resta mais dúvidas de que eles eram exaustivamente treinados, preparados e instruídos para massacrar e trucidar cidadãos brasileiros pelo próprio aparato do Estado. Portanto, a tortura e o extermínio de militantes políticos não foi de maneira alguma atos arbitrário de psicopatas, mas sim uma política de Estado. Este trecho do insuspeito O Globo (órgão que foi ardoroso apoiador da “Revolução Redentora de 1964”) é bastante ilustrativo:



[Em fins da década de 60] A guerra suja, que resultaria em morte e desaparecimento de mais de 300 pessoas, começava naquele momento. E Malhães, jovem oficial que anos antes aderia aos golpistas que derrubaram o presidente João Goulart, era a essa altura um quadro qualificado. Após passar pelo Centro de Ensino de Pessoal (CEP), que qualificou alguns dos mais notórios torturadores do regime, Malhães foi requisitado pelo Centro de Informações do Exército (CIE).





Paulo Malhães (mas não só ele) foi um dos agentes do regime de terror implantado pelo consórcio empresarial-militar que “melhor” incorporou o espírito que move todo um sistema de dominação (ao mesmo tempo ideológica, social e política) baseado na mais desbragada e selvagem opressão e extermínio de grupos tidos como inimigos. Por um tempo o mal era encarnado por militantes e agentes subversivos da esquerda, cuja localização era mais difusa, espalhados que eram em células clandestinas, em alguns grandes centros urbanos, mas invariavelmente filhos de classe média. Esse era o alvo dos Malhães das décadas de 60 e 70.



Na mesma matéria do pasquim neoliberal, Adriano Diogo, deputado petista e presidente da Comissão Estadual da Verdade de SP faz uma declaração bem sintomática. Segundo ele,

Ainda não sabemos o que aconteceu direito. Mas o Malhães era um cara importante dentro da estrutura da ditadura. A impressão que dá é que é que a ditadura não acabou. Essa página da História do Brasil ainda não foi completamente virada. Dá a impressão de que a morte dele foi algo pensado.





Mas Adriano erra feio num ponto. A tal "página da ditadura" nem começou a ser virada para as populações das favelas, periferias, morros, prisões e casebres desse país. Ela, ao contrário, parece estar a cada dia maior, mais pesada e encharcada de sangue.



Essa tal "página da ditadura" nunca fez parte do passado para esses segmentos da sociedade. Ele continua fazendo parte do cotidiano de medo, terror, impunidade e covardia patrocinados pelo Estado e impostos com brutalidade e violência contra tais populações. Num cenário que enche de gozo e satisfação ás elites brancas, limpinhas, cheirosas e decentes desse país.



E era na atuação exemplar de Malhães em relação a esses atributos que se mostra com aterradora clareza os liames que unem a repressão aos militantes políticos da esquerda durante a Ditadura e a repressão ás classes perigosas (pobre e negra) nos dias atuais. Uma levou a outra. Para a alegria de nossa asquerosa Direita, a macabra máquina de extermínio patrocinada pelos agentes terroristas nunca deixou de funcionar. Só foi radicalmente redirecionada para outros alvos, de tonalidade mais escura.



Quando matar é uma diversão

Em seu depoimento dado à Comissão Nacional da Verdade, Malhães descreve em riqueza de detalhes como operava aquela máquina nefasta, que fazia e ainda faz a festa de muitos liberais com espírito de Capitão do Mato. Disse que os corpos eram lançados nos rios, após a retirada dos dedos e da arcada dentária, para impedir a identificação. E com prazer indisfarçável, dá uma explicação bem mastigada:



- Naquela época não existia DNA, concorda comigo? Então, quando o senhor vai se desfazer de um corpo, quais são as partes que, se acharem o corpo, podem determinar quem é a pessoa? Arcada dentária e digitais, só. Quebravam os dentes e cortavam os dedos. As mãos, nãos. E, aí, se desfazia do corpo.





Isso tudo Malhães fazia na Casa da Morte. Mas até chegar ali, Pablo prestaria valiosos serviços para a Ditadura Empresarial-Militar em outras paragens. Mais precisamente, na Baixada Fluminense. Ali chegaria em 1969 para caçar o ex-marinheiro Roberto Emílio Manes, um dos cabeças do levante de sargentos e suboficiais de 1964, que estaria realizando uma série de assaltos na região.



Mas como desconhecia, segundo a reportagem, os "grotões da periferia", "foi socorrido pelo então comissário de polícia Luiz Cláudio Azeredo Vianna, chefe de uma pequena unidade da região". Uma aliança que se manteria intocada e cada vez mais selvagem - e isso décadas depois do sepultamento da Ditadura.



Pudera. Malhães era um quadro dos mais qualificados. Depois de minucioso treinamento no Centro de Ensino de Pessoal - centro de excelência no preparo e aperfeiçoamento dos mais notórios torturadores - seria recrutado pelo Centro de Informações do Exército. E corresponderia com galhardia a tamanho investimento estatal na arte do extermínio e da violação dos direitos humanos. Melhor para os liberais reacionários, que tanto se fartaram com as tetas do regime terrorista.



E Pablo não deixava dúvidas sobre o seu empenho em fazer desse país uma pátria mais segura, democrática, cristã e humana:



inicialmente, interrogava com ajuda do pau-de-arara e do choque elétrico. Uma ex-presa política, grávida quando submetida às sessões de tortura chefiadas por Malhães, disse que os choques levaram-na a pensar que o bebê sairia do bebê. Não saiu, mas nasceu meses depois, com uma severa surdez.





Mas Pablo também gostava - além de Deus, da pátria e da família - de bichinhos:
Eram dele também os filhotes de jacaré batizados de Pata, Peta, Pita, Pota e Joãozinho, usados para amedrontar os presos levados para os cárceres do DOI na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca.



A gana de Pablo em zelar pelos valores democráticos era tanta que "passou a usar métodos mais sofisticados para arrancar a verdade dos presos, convencê-los a trair os companheiros e, quando necessário, sumir para sempre com os corpos que ficavam pelo caminho".



Levado para a Casa da Morte, Pablo passou a se chamar Laurindo. O nome mudara, mas o empenho em lutar por um Brasil melhor e mais puro só aumentava. Fora levado para lá pelo comissário Luiz Cláudio, o Luizinho.



Agora, é bala na pretada...

Luizinho era um dos homens de confiança do banqueiro do bicho Abraão David. Após o fim da Ditadura, Malhães compraria um sítio ao lado do haras pertencente a Luizinho, no bairro de Ipiranga, Nova Iguaçu. Esmagada a serpente e tendo sido todo o seu veneno comunizante desinfetado do território nacional, Pablo passou a mirar a carcaça de outros alvos – não menos perigosos.



E segundo testemunhos, passou "a impor a lei a seu modo violento na região". Percorria a cavalo as ruas do bairro á caça de traficantes de drogas. "Quando os avistava, sacava a arma e disparava". Discretamente "os vizinhos  diziam que Malhães liderava um grupo de extermínio".



Pablo, ou Laurindo, enfim, o patriota da Direita liberal, racista e reacionária, o menino que um dia servira ao Movimento AntiComunista (MAC), trilhou com denodo a trajetória do típico agente do terror nesse país, que dos dedos, arcadas e carcaças dos membros da luta armada passou a cuidar em "tempos democráticos" de dar um jeitinho nos "elementos" daquela raça que vive enchendo as nossas cidades de bandidinhos.



Malhães pode ter morrido - sem nunca ter sido julgado por seus crimes, mas os Amarildos, Cláudias e Douglas de ontem, de hoje e de amanhã revelam o quanto ele fez escola.