Eu
adoro conversar com meu amigo da direita. Juro.
Sempre
aprendo muito – de como é bom e saudável odiar a espécie humana, de preferência
aqueles de cor “mais escurinha" (esse meu amigo fala desse jeito) e que teimam
em falar framengo.
Conversar
com ele nunca é um simples bate-papo, recheado de amenidades (tipo: “vc viu?
Agora teremos Xuxa contra Xatanás!”; “como podem terem sequestrado aquela
ovelha filha da Leci Brandão e irmã gêmea do John Lennon?”).
Não,
mais do que recreio, os conceitos operados pelo amigo da direita racista,
xenófoba, homofóbica permite desvendar os dilemas morais da sociedade, de
maneira muito mais efetiva do que as críticas sociais sofisticadas.
Eu
não trocaria meu amigo por nenhum livro do Sartre, Bertrand Russell ou Raymond
Aron. Mas de jeito nenhum!
Melhor
ainda se esse papo se dá lá pelas 11 ou meio-dia; com 5 minutos, a instrutiva
resenha te abre o apetite: sou capaz de comer um veado inteiro, aquele mesmo
veado do Roberto Da Matta.*
De
tão bom resolvi compartilhar um pouco com terceiros. Não o gosto pelo veado do
DaMatta, mas pelo papo.
Bem,
por onde eu começo? Puxa, que difícil. Só rola tópicos interessantes em nossas
tertúlias: o que fazer com os “drogados”, a arte de “chegar dando tiro na
favela” ou “saudades do governo Militar” (não resisti, citei só para deixar
vocês com água na boca).
Melhor,
vamos começar com o tema mais explosivo para o meu dileto confrade: “cota para
vagabundos”.
Esse
é o assunto que o faz simplesmente babar: “as pessoas só pensam nos pretos, nos
pretos; mas tem o branco, o índio, o japonês e o oriental”.
Mas
pergunto se essa raiva contra as cotas não guarda um certo racismo. Ele segue o
trabalho de esclarecimento:
Veja, isso não tem nada a ver com racismo. Não sou
racista. Mamãe já teve varias empregadas negras. Elas sempre me pegavam no
colo. Uma delas era a minha "mãe preta". Elas me serviam sempre com
muito gosto, sorrindo de orelha a orelha, com as canjicas de fora. Mas eram
mulheres honradas, decentes. Incapaz de um "ai", não tinha esse
mimimi dessa nossa modernidade.
Eu chegava a brincar com os filhos delas. Adorava brincar de cavalinho com eles. Mesmo quando eu exagerava nos cascudos, eles se comportavam bem, apesar da origem (todos vinham da favela). E nunca roubaram nada lá em casa. Um negócio surpreendente, mas é a pura verdade. E sempre foram tratados como iguais, pois sabiam que eramos como uma família. Tanto assim, que ás vezes, minha mãe atrasava por dois, três meses o salário, e elas - nem tchum! Nem ligavam, continuavam trabalhando sem reclamar - eram extremamente profissionais! Se precisassem chegar mais tarde em casa, por ter que cuidar de mim enquanto meus pais davam uma esticada no restaurante ou no cinema (ou os dois), eram com elas mesmas. Tudo sem chiar, na maior boa vontade. Como trabalhavam aquelas condenadas.
Eu chegava a brincar com os filhos delas. Adorava brincar de cavalinho com eles. Mesmo quando eu exagerava nos cascudos, eles se comportavam bem, apesar da origem (todos vinham da favela). E nunca roubaram nada lá em casa. Um negócio surpreendente, mas é a pura verdade. E sempre foram tratados como iguais, pois sabiam que eramos como uma família. Tanto assim, que ás vezes, minha mãe atrasava por dois, três meses o salário, e elas - nem tchum! Nem ligavam, continuavam trabalhando sem reclamar - eram extremamente profissionais! Se precisassem chegar mais tarde em casa, por ter que cuidar de mim enquanto meus pais davam uma esticada no restaurante ou no cinema (ou os dois), eram com elas mesmas. Tudo sem chiar, na maior boa vontade. Como trabalhavam aquelas condenadas.
Ás vezes rolava umas ofensas - de minha parte inclusive,
umas cantadas do meu pai, uma mão boba aqui, outra ali, aquilo na mão, você
sabe, essas coisas de homem - e elas sabiam que tudo fazia parte. Não tinha
essas frescuras antigamente, esse negócio de feminismo e coisa e tal - tudo
conversa fiada. Hoje, se você chamar uma gostosa dessas, de saia curtinha,
vestidinho apertado, de boazuda, tá arriscado a ser preso - eu também não
concordo com essa ditadura. Mas voltando: acho que no fundo elas gostavam, as
empregadas. Isso pra você ver o quanto a gente gostava dessa gente. Coisa de
carinho mesmo.
Mas eu acredito que não podemos misturar as coisas. Meu
pai - que inclusive teve um avô preto, que ele nunca lembra o nome - já dizia,
cada "macaco no seu galho".
Veja,
eu não sou contra esse povo. Mas acho
que eles não nasceram para isso. Por que
essa coisa de eles entrarem na Universidade sem estudar. Não, tá errado. Tem
que ter mérito.
E
isso, eles tem para outras coisas: samba, futebol, funk. Acho que eles têm que
desenvolver o que Deus deu a eles. Eles têm gingado, tem molejo, sabem
requebrar, rebolam pra diabo! Essa que é a verdade.
Agora
é isso. Eles já não fazem nada, vivem bebendo, vagabundeando, fumando o que não
presta e fazendo filho. Agora, querer fazer faculdade com o meu dinheiro, e sem
esforço, aí não. E tirando vaga de quem merece. Ah não. Vai trabalhar
vagabundo!
Se
tão tudo aí sem emprego decente e sem estudo é porque não se esforçam. A
preguiça não deixa.
E
essas cotas vão acabar criando o racismo. E nós nunca tivemos isso. Sempre
vivemos misturados. Jogava com um monte deles na praia. Sempre dava uma
gorjetinha para os garis na véspera de Natal. Sempre dou bom dia para o pessoal
da limpeza lá do meu prédio. Eles são pobres e até feios – mas dignos,
honestos. Trabalhadores. Nunca levantaram a voz. Sempre na deles. Que é assim
que deve ser.
Na boa, nem preciso
dizer o que o meu amigo disse pra mim sobre o que ele acha da Silvia Pilz. Ou
preciso?
O certo é que depois de
tanto ouvir, até eu tive vontade de comer o veado do DaMatta. E meu amigo também.
* Em sua crônica do
Estadão do dia 04/02/2015 (“Quando comi um veado”: http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,quando-comi-um-veado-imp-,1629296),
o antropólogo e anti-petista Roberto DaMatta narra como comeu um veado em suas
andanças para analisar os Apinayé. O veado acabou lhe custando um molar da
arcada esquerda inferior. Só isso?
Leonardo
Soares é historiador.