CURSO DE HISTÓRIA
ESR/SFC
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Prof. Leonardo Soares
dos Santos
CAMPOS DOS GOYTACAZES
2013
Texto 14: Cliford Geertz e seu conceito de cultura:
“O conceito de cultura que
eu defendo [...] é essencialmente semiótico. Acreditando, como Max Weber, que o
homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo
a cultura como sendo uma ciência interpretativa, à procura do significado. É
justamente uma explicação que eu procuro, ao construir expressões sociais
enigmáticas na sua superfície”.
Fonte: GEETZ, Clifford. A
interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 4.
Texto 15: a relação entre idéias e estruturas de poder.
“As ideias — religiosa,
moral, prática, estética — como Max Weber, entre outros, nunca se cansou de
insistir, devem ser apresentadas por grupos sociais poderosos para poderem ter efeitos
sociais poderosos: alguém deve reverenciá-las, celebrá-las, impô-las. Elas têm
que ser institucionalizadas para poderem ter não apenas uma existência
intelectual na sociedade, mas também, por assim dizer, uma existência material.
As guerras ideológicas que devastaram a Indonésia nos últimos vinte e cinco
anos não devem ser vistas, como tantas vezes acontece, como embates de
mentalidades opostas — "misticismo" javanês versus
"pragmatismo" sumatrano, "sincretismo" Índico versus
"dogmatismo" islâmico — mas como a substância de uma luta para criar
uma estrutura institucional para o país que um número suficiente de seus cidadãos
ache conveniente o bastante para permitir-lhe funcionar”.
Fonte: GEETZ, Clifford. A
interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 137.
Texto 16: o mundo social como texto literário.
“Na briga de galos,
portanto, o balinês forma e descobre seu temperamento e o temperamento de sua
sociedade ao mesmo tempo. Ou, mais exatamente, ele forma e descobre uma faceta
particular deles. Não só existem ainda muitos outros textos culturais que
fornecem comentários sobre a hierarquia do status e a auto-apreciação em Bali,
como existem muitos outros setores críticos da vida balinesa além do
estratificador e do agonístico que recebem tais comentários. A cerimónia que
consagra um sacerdote Brahmana, o tema do controle respiratório, da imobilidade
de postura e da concentração vazia na profundidade do ser mostram uma
propriedade radicalmente diferente, mas igualmente real para os balineses, da
hierarquia social — seu alcance da transcendência numinosa. Estabelecida não na
matriz da emocionalidade cinética dos animais, mas na desapaixonada estática da
mentalidade divina, ela expressa a tranquilidade e não a inquietação. Os festivais
de massa nos templos das aldeias, que mobilizam toda a população local em
recepções elaboradas aos deuses visitantes — canções, danças, cumprimentos,
presentes — afirmam a unidade espiritual dos companheiros de aldeia em relação
à sua desigualdade de status e projeta uma disposição de amabilidade e
confiança.
A briga de galos não é a chave principal para
a vida balinesa, da mesma forma que não o é a tourada para os espanhóis. O que
ela diz a respeito dessa vida não deixa de ser qualificado ou até desafiado
pelo que outras afirmativas culturais igualmente eloquentes também dizem sobre
ela. Mas nada existe de mais surpreendente nisso do que no fato de Racine e
Molière terem sido contemporâneos ou de que as mesmas pessoas que fazem
arranjos de crisântemos cruzem espadas.”
Fonte: GEETZ, Clifford. A
interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p. 212.
Texto 17: e a cultura um conjunto de textos ....
“A cultura de um povo é um
conjunto de textos, eles mesmos conjuntos, que o antropólogo tenta ler por sobre
os ombros daqueles a quem eles pertencem. Existem enormes dificuldades em tal
empreendimento, abismos metodológicos que abalariam um freudiano, além de
algumas perplexidades morais. Esta não é a única maneira de se ligar
sociologicamente com as formas simbólicas. O funcionalismo ainda vive, e o mesmo
acontece com o psicologismo. Mas olhar essas formas como "dizer alguma
coisa sobre algo", e dizer
isso a alguém, é pelo
menos entrever a possibilidade de uma análise que atenda à sua substância, em
vez de fórmulas redutivas que professam dar conta dela.”
Fonte: GEETZ, Clifford. A
interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008. p.
212-3.
Texto 18:
pressuposto do “geertzismo” segundo Giovanni Levi: a recusa do objetivismo.
“O conhecimento histórico não pode ser descrito segundo o modelo
de um conhecimento objetivo, já que ele próprio é um processo que tem todas as
características de um evento histórico. A compreensão deve ser entendida no
sentido de um ato da existência, e é então um ‘projeto lançado’. O objetivismo
é uma ilusão.”
H.G. Gadamer, Verità
e metodo (1960). Milão: Fabbri, 1972. Apud: LEVI, Giovanni. OS
PERIGOS DO GEERTZISMO,
p. 139.
Texto 19: o primado da interpretação em Paul
Ricoeur e Geertz.
“A posição de Ricoeur (ressaltada por Geertz, que sobrepõe
compreensão histórica e compreensão antropológica) implica também considerar
irrelevantes as diferenças entre pesquisa de campo e pesquisa de arquivo. Para Ricoeur,
é o discurso que tem como aspecto intrínseco a imediata situação de
comunicação: o texto não é a mesma coisa que a sua leitura. Para entender o
discurso, é preciso estar na presença do sujeito que fala; mas, para que o
discurso se torne texto, é preciso que tenha se tornado autônomo com relação à
situação imediata: a interpretação é diferente da interlocução. O texto pode
ser transportado, e a etnografia se produz longe do campo. A experiência de
pesquisa, central para o antropólogo dos anos 30-60, é transformada em um
conjunto textual, separado da ocasião discursiva em que se produz”.
LEVI, Giovanni. Os perigos do
geertzismo. p. 142. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/182.
Texto 20: Geertz, Darnton e Gadamer e a estetização do
mundo social.
“Não sei dizer se um dos principais limites práticos a que essa
perspectiva induz a pesquisa etnológica e histórica pode ser absolutamente
ineliminável: entretanto, é pelo menos muito freqüente em Geertz e em Darnton que
esse contexto de referência seja erigido como um fundo imóvel. E, por outro
lado, Gadamer nos adverte que “a verdadeira intenção do conhecimento histórico
não é explicar um fenômeno concreto como caso particular de uma regra geral (...).
O seu verdadeiro fim – mesmo quando usa conhecimentos gerais – é, antes de mais
nada, compreender um fenômeno histórico na sua singularidade, na sua
unicidade”. É um pouco como um círculo vicioso, no qual o texto nos torna
capazes de tomar consciência dos nossos preconceitos e de descobrir um mundo
“outro” significativo, mas no qual o contexto global é dado de saída e não muda
até o fim: a unicidade de um texto talvez possa fornecer uma capacidade de
compreensão maior do contexto, mas não mudar-lhe substancialmente os elementos.
É, em suma, um processo circular no qual os critérios de verdade e de
relevância, todos fechados na atividade hermenêutica constitutiva, parecem – ao
menos para a minha obsoleta mentalidade materialista – arbitrários demais.
Como se vê, aqui estão refletidos os limites, no fundo
irracionalistas e
estetizantes, de Gadamer: a falta de um sentido global da história
que não seja o seu crescimento hermenêutico sobre si própria, porque todo
evento histórico é por sua natureza uma mediação entre passado (o “outro”),
presente e futuro; cada interpretação de textos é uma aplicação de alguma
preferência ou situação presente. Não há, em suma, nenhum critério para
escolher entre interpretações válidas ou não, senão o seu potencial de dar
lugar a novos processos hermenêuticos, de ativar um contínuo diálogo com o
passado e com o
“outro”, que todavia não reduza os textos a objetos separados do
sujeito”.
LEVI, Giovanni. Os perigos do
geertzismo. p. 143. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/182.
Texto 21: os perigos do geertzismo. O maior deles: a história se confundir com a
literatura.
“Clifford Geertz [...], em um artigo de extraordinária
inteligência como “Centers, kings and charisma: reflections on the symbolics of
power” nos fornece ainda descrições para formular os caracteres culturais (eis
os atores-autores generalizados dos quais falava James Clifford) da Inglaterra
elisabetana, da Java de Hayam Wuruk, do Marrocos de Hassan: contextos imóveis
nos quais é inserido o estudo do carisma e do poder simbólico. Mas Geertz é Geertz:
o perigo é o geertzismo. Um outro aspecto é a perda do sentido das relevâncias:
pequenos episódios podem ser reveladores de atitudes culturais importantes, mas
na hermenêutica com fim em si mesma que parecemos ver em Gadamer, e que
reencontramos muitas vezes em Darnton, a falta de um critério geral de validade
e de relevância nasce de um deslocamento das perspectivas. Pequenos episódios
tornam-se aparentemente importantes, porque já conhecemos o esquema global no
qual inseri-los e lê-los: a pesquisa não acrescenta nada ao já conhecido, e o
confirma debilmente e de modo supérfluo. É exatamente o caso do ensaio que dá
título ao volume, “Workers revolt: the great cat massacre of the Rue Saint
Severin”. O assassinato dos gatos da mulher do mestre por parte dos
trabalhadores tipográficos exprime a revolta de um grupo social ainda
corporativamente subordinado aos bourgeois: “Seria absurdo considerar o massacre dos gatos como um ensaio
geral para os massacres de setembro da Revolução Francesa, mas a irrupção
anterior de violência realmente sugeria uma rebelião popular, embora
permanecesse restrita ao nível do simbolismo” (p. 131). As relações entre
mestres e trabalhadores, o simbolismo dos gatos, a visão de mundo do povo e da
burguesia estão dados, contexto imóvel que não é modificado; o que o artigo
explica é, então, a morte violenta de um gato qualquer, em um quadro já
conhecido de cultura carnavalesca e de revolta operária, estabelecido através
de estudos bem mais importantes e inovadores.
Em resumo: contexto e relevância são assumidos a priori nos capítulos desse
livro. O resto é muitas vezes o garboso caligrafismo de uma filosofia da
história fechada em um círculo vicioso. Interpretei esses ensaios como um
“texto”: mas, com um procedimento diferente do da hermenêutica de Darnton,
deixei de lado – talvez em demasia – a singularidade da obra, para colocar em
evidência a exemplaridade de um modo irremediavelmente “outro” de ler a
história social em relação ao meu próprio e àquele, espero, de muitos leitores
de Quaderni Storici.”
LEVI, Giovanni. Os perigos do
geertzismo. p. 145-6. Disponível em: http://www.ifch.unicamp.br/ojs/index.php/rhs/article/view/182.
Texto 22: a História não é Ciência, e sim
um desdobramento da Arte Retórica.
“Historians
have shown relatively litle interest in this problem, in good part because they
continue to confide in a ’documentary’ or ’objectivist’ model of knowledge that
is typically blind to its own rhetoric. Indeed this model has been effective in
placating or neutralizing concerns that motivate the work of the new
rhetoricians”.
Fonte: LACAPRA, Dominick. History
& criticism.
Ithaca: 1985. pp. 17-18.
Texto 23: para Lacapra, a retórica é mais eficaz do que
a ciência na busca por “vozes do passado”...
“Instead of
licensing free variations on the past, variations hose only justification is
their furtherance of a present policy, the rhetorical dimension of
historiography may rather serve to test current views by requiring the
historian to listen attentively to possibly disconcerting voices of the past
and not simply project narcissistic or self-interested demands upon them”.
Fonte: LACAPRA,
Dominick. History & criticism. Ithaca: 1985.
pp. 36-37.
Texto 24: o Documento como Monumento.
“O documento não é inócuo. É antes de mais nada, o resultado
de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da
sociedade que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais
continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser
manipulado, ainda que pelo silêncio. O documento é uma coisa que fica, que
dura, e o testemunho, o ensinamento que ele traz devem ser em primeiro lugar analisados,
desmitificando-lhe seu significado aparente. O documento é monumento. Resulta
do esforço das sociedades históricas para impor ao futuro – voluntária ou
involuntariamente- determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um
documento-verdade. Todo documento é mentira.”
Fonte: LE GOFF, Jacques. História
e memória. Campinas, SP: Editora da UNICAMP,
2003. p. 538.
Texto 25: novamente a História como discurso....
“(...) “história’ é o tema desse aprendizado que só é
acessível por meio da linguagem; nossa experiência da história é indissociável
de nosso discurso sobre ela; esse discurso tem que ser escrito antes de poder
ser digerido como “história”; e essa experiência, por conseguinte, pode ser tão
vária quanto os diferentes tipos de discurso com que nos deparamos na própria
história da escrita.”
Fonte: WHITE, Hayden. Meta-historia: a imaginação historica do seculo XIX. São Paulo: EDUSP, 1992. p. 31.
Texto 26: uma alternativa possível ao subjetivismo: o conceito de habitus de Pierre Bourdieu.
“Por
sua própria etimologia – habitus é o que foi adquirido, do verbo habeo -, devia
significar muito concretamente que o princípio das ações ou das representações
e das operações da construção da realidade social, pressupos tas por elas, não
é um sujeito transcendental (...) É o habitus, como estrutura es truturada e
estruturante, que engaja, nas práticas e nas idéias, esquemas práticos de cons
trução oriundos da incorporação de es truturas sociais oriundas, elas próprias
, do trabalho his tórico de gerações sucessivas.”
Fonte:
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas.
Campinas: Papirus, 1996.
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