A Questão do Método: primeiros pitacos.
É impressionante como o tema ou o
simples enunciado da palavra método ainda suscita um misto de pavor, em alguns,
e indiferença, em outros (supostamente por terem por princípio que o método é
um detalhe dispensável de um trabalho científico).
Várias são as razões e motivos que
explicam tal sensação. Não esgotaremos aqui o estudo sobre todas elas. Nem de
longe.
Cabe apenas pontuar, para começo de
conversa, que não podemos deixar de considerar que esse é um aspecto que
expressa muito bem o descaso histórico legado pelas elites e pelos poderes
públicos em geral a nossa pesquisa. A ausência de um Prêmio Nobel brazuca
parece ser um detalhe frugal, besta. Em certa parte até é. Mas, noutra, é pra
lá de pertinente e revelador. Eu também diria sintomático.
Não obstante os elementos associados
a nossa encalacrada conjuntura, há que recompor a questão em seu plano mais
teórico.
E no centro de tudo isso temos
(ainda) a figura clássica e mosqueteira do bigodudo René Descartes.
Arrisco a dizer que com todas as
marcas de esgotamento e corrosão legadas por uma história de mais de três
séculos, Descartes e suas reflexões sobre o método ainda são fundamentais (no
sentido etimológico da palavra Pedro, da Igreja, da Bíblia...lembram da aula de
EBD...????), gostem ou não.
E Descartes consagra em seu Método algo
que até hoje é um tabu no ensino e pesquisa científica brasileiras: o método é
essencialmente um elemento da práxis científica. Nunca uma abstração vazia ou
elemento retórico, algo externo á pesquisa científica. O método é indissociável
do objeto a ser pesquisado e está intimamente relacionado ao modo como o
sujeito dessa pesquisa pensa, constrói e formaliza a pesquisa sobre esse
objeto. Vemos aí, que além de tudo, o método implica numa certa prática. Algo simples, mas não para um tipo de ensino e currículo de caráter tão conteudista e onde o conhecimento invariavelmente é dissociado da vida.
Um método não se constrói ou se
efetiva pelo simples fato de falarmos ou escrevemos bem
dele ou sobre ele: ele se constitui enquanto fazemos e praticamos uma
determinada iniciativa científica.
Que as formulações cartesianas sobre a física e
sobre o dualismo entre mente e corpo, entre pensamento e cérebro, estão
bastante defasadas, disso não resta dúvidas. O tempo e toneladas de pesquisa se encarregaram de pôr os chutes de Descartes em seu devido lugar.
Agora, aceitar sem nenhum questionamento a ideia de que Descartes
ou a lógica cartesiana deva ser algo expurgado da ciência, como se fosse algo
empobrecedor ou limitador, ou tomar como verdade absoluta de que o termo cartesiano seja sinônimo de ciência
mal-feita ou reflexão simplória, expressa muito mais uma ignorância sobre a
obra de Descartes e um desconhecimento brutal do contexto intelectual onde ele
formulou os seus problemas. Mas tal impasse é molinho de se resolver: basta abrir
e ler alguns livros...
Queiram ou não, por mais que
muitos pesquisadores e intelectuais queiram defender que o seu tempo histórico
é mais especial do que os das gerações anteriores, Descartes forneceu algumas
bases ao método científico que se mantém intocadas: o questionamento incessante
das pressuposições, a recusa de basear na fé qualquer afirmação e a construção de
uma compreensão do mundo a partir de observações comprováveis (em vez da
tradição).
A não ser para os adeptos do
pós-modernismo (para os quais Ciência e roteiro do Zorra Total é a mesmíssima coisa...), e por mais que se discuta
tais e tais noções do que seja a Ciência, é impossível não ver as marcas
cartesianas cunhadas em seu DNA.
Basta pensarmos em texto como as “Críticas”
de Kant no século XVIII, o “Método” de K. Marx no século XIX, ou nos trabalhos
de sociologia reflexiva (onde até o sujeito da pesquisa é incessantemente
objeto de indagações) de Pierre Bourdieu, no século XX: nada disso, ou boa
parte disso, seria possível sem o baixinho de La Haye. Ou alguém acha que,
por exemplo, Marx ao formular um método fundado na ideia de que os conceitos só
podem ser formulados a partir da análise (observação) da realidade empírica,
estava se inspirando em Shakespeare ou numa ciência declaratória, essa que é
construída sem se basear em nenhuma pesquisa empírica (muito em voga até hoje,
basta ver os escritos ["estudos"] de figuras como Roberto da Matta e Ali Kamel)?
Portanto, fica o convite, ainda mais
para quem está iniciando sua trajetória em pesquisa, seja de que campo, tema ou
problemática – ou período, em se tratando de historiadores – for, para uma
leitura mais aprofundada sobre a obra cartesiana. Não fará mal a ninguém. E não será perda
de tempo. Mas para quem, além dos textos, queira se debruçar de maneira mais
ampla e detida sobre os impactos de Descartes não apenas sobre a Ciência de sua
e de nossa época, mas sobre a própria cultura moderna ocidental, listo mais
alguns textos não apenas relevantes, mas fundamentais para um início de
conversa sobre o que muitos dizem ser a tal “lógica cartesiana”.
Comecemos pelos textos de autoria do homem (1), René
Descartes, é claro:
_____ . Discurso do método.
_____ . Meditações.
Sobre o próprio Descartes:
LÉFÈBVRE, Henri. Descartes.
DAMASIO, Antonio. O erro de Descartes.
KOYRÉ,
Alexandre. Considerações sobre Descartes.
Para uma apreciação do contexto
intelectual no qual se formou Descartes:
CASSIRER, Ernest. A filosofia
da Ilustração.
SHORTO, Russel. Os ossos de
Descartes.
KOYRÉ,
Alexandre. Do mundo fechado ao universo infinito.
KUHN,
Thomas. Estrutura das
Revoluções Cientificas.
Para um exame do contexto político e
cultural mais amplo, vale a pena dar uma boa lida em
ZHUMTOR, Paul. A Holanda de
Rembrandt.
KOSELLECK, Reinhart. Crítica e
crise.
Uma curta bibliografia, se formos ver, mas essencial para uma discussão mais consistente e minimante criteriosa sobre o
legado “cartesiano”. E como já frisado acima: prá início de conversa....
(1)
Tais textos podem ser encontrados facilmente
na Internet.
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