domingo, 15 de setembro de 2013


A Questão do Método: primeiros pitacos.



É impressionante como o tema ou o simples enunciado da palavra método ainda suscita um misto de pavor, em alguns, e indiferença, em outros (supostamente por terem por princípio que o método é um detalhe dispensável de um trabalho científico).

Várias são as razões e motivos que explicam tal sensação. Não esgotaremos aqui o estudo sobre todas elas. Nem de longe.

Cabe apenas pontuar, para começo de conversa, que não podemos deixar de considerar que esse é um aspecto que expressa muito bem o descaso histórico legado pelas elites e pelos poderes públicos em geral a nossa pesquisa. A ausência de um Prêmio Nobel brazuca parece ser um detalhe frugal, besta. Em certa parte até é. Mas, noutra, é pra lá de pertinente e revelador. Eu também diria sintomático.


Não obstante os elementos associados a nossa encalacrada conjuntura, há que recompor a questão em seu plano mais teórico.

E no centro de tudo isso temos (ainda) a figura clássica e mosqueteira do bigodudo René Descartes.


Arrisco a dizer que com todas as marcas de esgotamento e corrosão legadas por uma história de mais de três séculos, Descartes e suas reflexões sobre o método ainda são fundamentais (no sentido etimológico da palavra Pedro, da Igreja, da Bíblia...lembram da aula de EBD...????), gostem ou não.

E Descartes consagra em seu Método algo que até hoje é um tabu no ensino e pesquisa científica brasileiras: o método é essencialmente um elemento da práxis científica. Nunca uma abstração vazia ou elemento retórico, algo externo á pesquisa científica. O método é indissociável do objeto a ser pesquisado e está intimamente relacionado ao modo como o sujeito dessa pesquisa pensa, constrói e formaliza a pesquisa sobre esse objeto. Vemos aí, que além de tudo, o método implica numa certa prática. Algo simples, mas não para um tipo de ensino e currículo de caráter tão conteudista e onde o conhecimento invariavelmente é dissociado da vida.

Um método não se constrói ou se efetiva pelo simples fato de falarmos ou escrevemos bem dele ou sobre ele: ele se constitui enquanto fazemos e praticamos uma determinada iniciativa científica.

Que as formulações cartesianas sobre a física e sobre o dualismo entre mente e corpo, entre pensamento e cérebro, estão bastante defasadas, disso não resta dúvidas. O tempo e  toneladas de pesquisa se encarregaram de pôr os chutes de Descartes em seu devido lugar.

Agora, aceitar sem nenhum questionamento a ideia de que Descartes ou a lógica cartesiana deva ser algo expurgado da ciência, como se fosse algo empobrecedor ou limitador, ou tomar como verdade absoluta de que o termo cartesiano seja sinônimo de ciência mal-feita ou reflexão simplória, expressa muito mais uma ignorância sobre a obra de Descartes e um desconhecimento brutal do contexto intelectual onde ele formulou os seus problemas. Mas tal impasse é molinho de se resolver: basta abrir e ler alguns livros...

Queiram ou não, por mais que muitos pesquisadores e intelectuais queiram defender que o seu tempo histórico é mais especial do que os das gerações anteriores, Descartes forneceu algumas bases ao método científico que se mantém intocadas: o questionamento incessante das pressuposições, a recusa de basear na fé qualquer afirmação e a construção de uma compreensão do mundo a partir de observações comprováveis (em vez da tradição).

A não ser para os adeptos do pós-modernismo (para os quais Ciência e roteiro do Zorra Total é a mesmíssima coisa...), e por mais que se discuta tais e tais noções do que seja a Ciência, é impossível não ver as marcas cartesianas cunhadas em seu DNA.

Basta pensarmos em texto como as “Críticas” de Kant no século XVIII, o “Método” de K. Marx no século XIX, ou nos trabalhos de sociologia reflexiva (onde até o sujeito da pesquisa é incessantemente objeto de indagações) de Pierre Bourdieu, no século XX: nada disso, ou boa parte disso, seria possível sem o baixinho de La Haye. Ou alguém acha que, por exemplo, Marx ao formular um método fundado na ideia de que os conceitos só podem ser formulados a partir da análise (observação) da realidade empírica, estava se inspirando em Shakespeare ou numa ciência declaratória, essa que é construída sem se basear em nenhuma pesquisa empírica (muito em voga até hoje, basta ver os escritos ["estudos"] de figuras como Roberto da Matta e Ali Kamel)?

Portanto, fica o convite, ainda mais para quem está iniciando sua trajetória em pesquisa, seja de que campo, tema ou problemática – ou período, em se tratando de historiadores – for, para uma leitura mais aprofundada sobre a obra cartesiana. Não fará mal a ninguém. E não será perda de tempo. Mas para quem, além dos textos, queira se debruçar de maneira mais ampla e detida sobre os impactos de Descartes não apenas sobre a Ciência de sua e de nossa época, mas sobre a própria cultura moderna ocidental, listo mais alguns textos não apenas relevantes, mas fundamentais para um início de conversa sobre o que muitos dizem ser a tal “lógica cartesiana”.



Comecemos pelos textos de autoria do homem (1), René Descartes, é claro:
_____ . Discurso do método.
_____ . Meditações.


Sobre o próprio Descartes:
LÉFÈBVRE, Henri. Descartes.
DAMASIO, Antonio. O erro de Descartes.
KOYRÉ, Alexandre. Considerações sobre Descartes.


Para uma apreciação do contexto intelectual no qual se formou Descartes:
CASSIRER, Ernest. A filosofia da Ilustração.
SHORTO, Russel. Os ossos de Descartes.
KOYRÉ, Alexandre. Do mundo fechado ao universo infinito.
KUHN, Thomas. Estrutura das Revoluções Cientificas.


Para um exame do contexto político e cultural mais amplo, vale a pena dar uma boa lida em
ZHUMTOR, Paul. A Holanda de Rembrandt.
KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise.



Uma curta bibliografia, se formos ver, mas essencial para uma discussão mais consistente e minimante criteriosa sobre o legado “cartesiano”.  E como já frisado acima: prá início de conversa....


(1)                Tais textos podem ser encontrados facilmente na Internet.



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